Meio século após a inauguração da barragem em Santa Clara-a-Velha, o presidente da Câmara de Odemira frisa, em entrevista ao "SW", a importância do equipamento no desenvolvimento sócio-económico do concelho. "Não há dúvida que foi o investimento público mais importante e estruturante no concelho e que transformou por completo a região", diz José Alberto Guerreiro.
Pode dizer-se que existe um antes e um depois da barragem de Santa Clara no concelho de Odemira?
Sim, é evidente! Houve uma profunda transformação, não só porque a paisagem mudou mas também porque surgiram novas culturas. O regadio proporcionou a cultura do milho, do arroz e por aí fora, criando condições para um desenvolvimento agrícola muito forte, mas também actividades ligadas à náutica e ao turismo. Um aspecto que cada vez se revela mais importante é que a barragem estabilizou também o curso do Mira e criou condições para que as cheias não fossem tão frequentes e tão condicionadoras da actividade agrícola nas margens do Mira. E o que é um facto é que hoje temos condições de água para abastecimento público nesta região porque temos Santa Clara. [A barragem] assegura a fonte de vida em toda aquela região, não só para as actividades [económicas] mas também para abastecimento público. Pergunto: o que seria de nós sem Santa Clara, mesmo a 60% da sua capacidade? Não há dúvida que foi o investimento público mais importante e estruturante no concelho e que transformou por completo a região.
A dinamização da actividade agrícola é a grande mais-valia da barragem?
Acho que a barragem acabou por proporcionar várias modificações na região. Se virmos os pequenos apontamentos filmados na região nessa altura a desertificação era patente, não apenas nos territórios de nível intermédio mas principalmente no litoral. Curiosamente os tempos vieram inverter esse modelo! E é evidente que a água de regadio proporcionou esta inversão de modelo! No caso da agricultura, na altura em que a barragem foi construída, prevalecia o modelo mais familiar, apenas para a sustentabilidade das famílias e algum comércio, principalmente no milho e no arroz. Hoje tem uma expressão diferente, que entretanto a alteração climática que se verificou nos últimos anos também acabou por mudar um bocadinho, criando condições edafo-climáticas para o desenvolvimento desta agricultura com base nos sabores e nos produtos hortícolas. Temos também muita actividade em torno das flores e estou convencido que as unidades de turismo também não teriam frequência no território se não fosse Santa Clara. Ou seja, a questão agrícola conheceu um novo desenvolvimento, mas o turismo também.
Acaba por ser um empreendimento de fins múltiplos, um pouco à imagem do que sucedde com o projecto do Alqueva
Não tenho grandes dúvidas disso! Mesmo na questão do abastecimento, todo o litoral bebe água de Santa Clara. Doutra forma seria muito difícil, ainda por cima porque as perfurações junto ao litoral são salobras ou têm problemas de excessiva salinização. E isso evitou-se com Santa Clara.
Nos últimos tempos tem-se discutido muito a compatibilização da actividade agrícola associada ao Perímetro de Rega do Mira (PRM), sobretudo nos 40% que faltam explorar, com a conservação do ambiente. Como encara esta questão?
Nunca olhei para isso como uma questão de tudo ou nada! Acho que é possível fazer agricultura nos outros 40% [do PRM] que tenha igual rendimento. A grande questão que se coloca não é o facto de não podermos utilizar os 100% [do PRM] de forma agrícola...
Qual é então?
A questão que se coloca é se devemos utilizá-lo todo com o mesmo padrão de ocupação, questão que também já se começa a colocar mais a interior, na zona do Alqueva. Se deve ser monocultura ou não, se devem ser culturas permanentes ou não
E no nosso litoral, além da questão de ser intensiva, há ainda a questão sobre se deve ser coberta ou descoberta, se é de muita exigência de mão de-o-obra ou não
Portanto, os modelos podem perfeitamente ser diferenciadores e não haver um único padrão. É esta a questão que se coloca e quando desfocamos essa atenção estamos a perder um bocadinho da lucidez. Porque nós também não queremos inundar aquela zona de turismos e preferimos que eles sejam diversos e tenham ofertas diversificadas. Porque a vida é assim mesmo: feita de diversidade! E é por isso que luto: para que seja ocupado 100% do PRM, mas com diversidade.
Não tem de ser tudo estufas.
Não tem de ser tudo igual!
O Município de Odemira tem em marcha um plano de valorização do rio Mira, da barragem até à foz, em Vila Nova de Milfontes. Qual o ponto de situação?
Ainda esta semana foi concretizada uma visita de reconhecimento do território pela equipa de projecto, pela Câmara e pelos parceiros, para verificar algumas questões in loco e fechar esta primeira fase do plano. Estou convencido que até agora se conseguiu um bom modelo inicial, com grandes discussões, participações de todos os actores e discussões públicas em todos os locais deste território. Temos agora, com toda a certeza, todos os ingredientes para que o plano rapidamente fique elaborado nos próximos três/ quatro meses. E espero apresentar na próxima edição da FACECO a proposta preliminar. Com esse plano propõe-se o aproveitamento de todo este potencial criado por Santa Clara e pelo rio Mira. E lá está: neste plano estarão todas estas vertentes da diversidade que defendemos. As questões do aproveitamento turístico, ambiental, cultural, agrícola
Ou seja, é necessário ter a noção que sem esta diversidade faremos um mau plano. Outra das vertentes que vamos também lá ter é a questão náutica, tanto de recreio como numa base mais profissional. Portanto, o rio e a barragem têm um imenso potencial e geram ambos excelentes capacidades para que o território se desenvolva. E nós queremos fazê-lo de forma sustentada!