14h54 - quinta, 25/03/2021
"Vistas curtas" em Bruxelas
Carlos Pinto
Segundo noticiou esta semana o site Observador.pt, a Comissão Europeia tem levantado, junto do Governo, "questões quanto à inclusão de investimentos em vias rodoviárias e do investimento no projeto da barragem do Crato" no do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR). É o próprio gabinete do ministro do Planeamento, Nelson de Souza, que reconhece que "para a Comissão Europeia, não estão suficientemente fundamentados enquanto projetos estruturais ligados às reformas e não estão suficientemente esclarecidos os impactes ambientais".
Ainda assim, adianta o Observador.pt, o Governo entende que este tipo de projetos presentes no PRR português não contrariam "o espírito" com que foi criado o Mecanismo de Recuperação e Resiliência, mais focado nas questões ambientais e digitais.
É certo que estas matérias, assim como a ciência, a inovação ou a transição energética, fazem claramente sentido que sejam colocadas como prioridades nos financiamentos europeus. Mas rejeitar tudo o resto demonstra, igualmente, as "vistas curtas" de quem pouco ou nada sai dos gabinetes e corredores alcatifados do Berlaymont, em Bruxelas, desconhecendo, na maior parte das vezes, as várias realidades que compõem o mosaico europeu.
Apesar dos grandes avanços registados nas últimas décadas, há muito ainda por fazer nos territórios mais afastados dos principais centros urbanos ou de baixa densidade. É o caso do Alentejo Litoral e do Baixo Alentejo.
Veja-se, a título de exemplo, a questão das rodovias. Hoje qualquer quilómetro de estrada pode custar entre 80 a 100 mil euros, o que quer dizer que reparar 10 ou 15 quilómetros de uma via municipal é logo um investimento de milhões. Sem apoios comunitários, como podem as câmaras municipais concretizar todas as empreitadas que são necessárias?
Mas as necessidades vão muito além disso. Há anos e anos que Odemira (e toda a região) exige a construção do IC4
sem sucesso! Ainda que esta via seja por demais urgente para dotar este território de uma ligação rodoviária mais rápida e segura a Beja, a Lisboa ou ao Algarve, nada avançou nas últimas três décadas. E o atual posicionamento de Bruxelas perante este tipo de investimentos levanta ainda maiores dúvidas sobre se alguma vez haverá IC4.
Julgamos, por isso mesmo, ser indispensável que a União Europeia deixe de ver o financiamento de obras em estradas (ou noutras infraestruturas básicas, como as redes de abastecimento e saneamento) como algo do passado, mantendo-os no presente e no futuro. Caso contrário, os "interiores" serão, cada vez mais, territórios isolados e despovoados.
Outros artigos de Carlos Pinto