14h55 - quinta, 18/04/2024

25 de Abril sempre!


António Martins Quaresma
Prestes a perfazer-se o 50º aniversário da revolução de 25 de Abril de 1974, é, quase involuntariamente, que o nosso pensamento se volta para a data e o seu significado, para os acontecimentos, já algo envoltos na bruma do tempo, desse dia e dos que lhe sucederam. Recordo que uma das principais dúvidas que me assaltou nas primeiras horas foi de que "lado" era a revolta militar e muitos de nós recearam que ali estivesse a mão da extrema-direita militar – o que, para alívio nosso, rapidamente se clarificou.
Alguns meses antes, no Chile, a experiência de um socialismo, com laivos de social-democracia europeia e com nacionalização dos principais setores produtivos, experiência apoiada pela esquerda política chilena, posta em prática por Salvador Allende, numa espécie de "geringonça" (ressalvam-se as diferenças, enormes, de contexto e dos próprios atores), tinha sido violentamente atalhada pelo exército sob o comando do general Pinochet. O golpe militar, apoiado pelos Estados Unidos, saldou-se na morte de Allende e no início de uma sangrenta ditadura. Também o democrático Reino Unido de Tatcher venerou Pinochet, que ajudou os ingleses na guerra das Malvinas. Chile, recorde-se, de onde foi importado o slogan "O povo unido jamais será vencido", muito usado durante a revolução portuguesa.
Na Europa, entretanto, a década de 1970 foi tempo de alterações políticas libertadoras. A Grécia teve uma constituição democrática e republicana em 1974 e a Espanha, após a morte de Franco, em 1975, encaminhou-se para a democracia. Mas no país vizinho subsistem alguns tiques, em parte alimentados pelos separatismos, de uma Espanha em que a religião mais conservadora e um nacionalismo de sabor franquista estão associados. O "espetáculo" de Cristo Crucificado transportado por legionários, na Semana Santa, é um momento de referência.
O facto de ainda se celebrar o 25 de Abril em Portugal tem algum significado: a data continua a ser suficientemente prestigiada para que uma comemoração como a do 50º aniversário seja levada a cabo como está a ser. A já antiga marca "Abril em Odemira" ou o grito "25 de Abril sempre!" mantêm-se vivos, embora naturalmente, olhando bem, algumas fissuras comecem a abrir-se na sua tradicional representação.
Uma das frustrações com que se olha a nossa democracia foi a sua incapacidade de dotar grande número de pessoas com capacidade de pensamento que lhe permita distinguir "o trigo do joio", em termos políticos; não dando receitas ou soluções, menos ainda indicações partidárias, mas permitindo às gentes competência reflexiva e de interpretação das prosas falaciosas e manipuladoras.
Numa Europa governada, geralmente, por uma direita neoliberal, onde impera o discurso rude e belicista, onde (quase) nos impõem ideias únicas, onde já nos dizem que media devemos/podemos ver e ouvir; num mundo, onde é normal a perseguição a Julien Assange ou a existência de campos de concentração como o de Guantanamo, a virtude da democracia surge como coisa bem relativa. Na verdade, os países democráticos podem agir, e agem frequentemente, como gangsters, em nada sendo o seu comportamento influenciado pela organização política interna dos seus estados, por muito perfeita que seja. Lembram-me sempre os povos e poderes que, armados com sua virtuosa crença religiosa, faziam (fazem), em nome de Deus, as mais variadas patifarias. "Democracia" não passa de fórmula retórica utilizada para, sem argumentação objetiva, alguns países se apresentarem com uma superioridade moral que os isenta de qualquer crítica ou dúvida. Mas o que mais me dói é o seguidismo com que Portugal alinha no que os seus poderosos "aliados" de "natos" e "ues" lhe ditam. Não são, com certeza, inputs de democracia que dali vêm.
Por isso, não obstante o tom optimista com que esta crónica começou, frases de grande simbolismo, como "25 de Abril sempre", podem constituir meros desejos, ou simples trivialidades, que arriscam a ficar sem substância.



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