17h01 - quinta, 11/07/2024

Warmongers


António Martins Quaresma
Pensa-se que Portugal não entrou na II Guerra Mundial e, de facto, a posição do país foi de neutralidade, mas ao longo do conflito houve momentos e acontecimentos que não o deixaram exactamente de fora. Em 1942, por exemplo, foram enviadas tropas portuguesas para os Açores, face ao interesse dos beligerantes por esta importante posição no meio do Atlântico e mormente à intenção norte-americana de ocupar o arquipélago. A própria situação geográfica de Portugal continental dava origem a que a aviação e a marinha dos combatentes circulassem e se defrontassem bem próximo do litoral português, como aconteceu com o litoral alentejano e algarvio. Nas proximidades de Milfontes e de Longueira chegaram a cair aviões ingleses, abatidos ou por acidente, e esses acontecimentos produziram aqui forte comoção, hoje naturalmente desvanecida. Na altura, muitas pessoas temiam, um tanto ingenuamente, que isso fosse o anúncio da "chegada" da guerra, que sabiam desenrolar-se, sangrenta, lá fora.
Os media – jornais e rádio – tinham então um papel de muito menor importância daquela que assume hoje. Além de sujeitos a censura, a sua difusão e impacto na informação era, por diversos motivos, muito mais limitada. Quanto à televisão, só mais tarde apareceria, convertendo-se, porém, nas últimas décadas do século XX, no órgão de maior impacto popular, pela sua capacidade de produzir um dinâmico discurso informativo, com recurso à imagem. A televisão, principalmente, tornar-se-ia um instrumento de poderes como o do Estado e o de grandes empresas, com uma forte dimensão controladora da opinião pública.
Ouvi, há dias, Julian Assange, um conhecido mártir às mãos da virtuosa democracia que submete boa parte do mundo, afirmar qualquer coisa como isto: "as populações têm de ser manipuladas para aceitar a guerra e a forma mais eficaz é através dos órgãos de comunicação social". Ele sabe bem do que fala. O discurso belicista permanente, por exemplo, sobre a questão da Ucrânia, inundou o dia-a-dia dos cidadãos, em Portugal (e não só), muitas vezes através de algo petulantes comentadores/as, "especialistas em relações internacionais", e de generais e almirantes formato NATO, que, muito maioritariamente, enxameiam o espaço mediático. Não faltam, assim, vozes a debitar sobre a necessidade de a Europa se armar, face a sinistras "ameaças", que, parece-me, mais não são do que argumentos para camuflar planos de vária ordem e que nada têm a ver com perigos reais. Claro que esta maligna receita nem sempre funciona como se pode ver com o caso da Palestina e o da própria libertação (ainda que condicional) de Assange, em que se levantaram clamores um pouco por todo lado. Porém, o desatino não mostra sinais de abrandar e os riscos de escalada dos conflitos – esses, sim, um perigo efetivo –, com muito graves consequências para a humanidade, avolumam-se no horizonte.
O título desta crónica é uma palavra inglesa, que tem o significado de "belicista" e que se aplica a agentes, geralmente políticos, partidários das soluções bélicas para os conflitos. Começou por ser usada no mundo anglo-saxónico e extravasou para espaços linguísticos diferentes. Atualmente, o belicismo, difundido pelos media, contaminou o discurso dominante, e vemos o vulgar cidadão a defender o armamentismo e a ação militar – longe, portanto, do tempo em que se temia a "chegada" da guerra.



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