15h52 - quinta, 01/03/2018
Damião
António Martins Quaresma
Damião, também dito Damião de Odemira e Damião Português, distinguiu-se como teórico do jogo de xadrez, mas a bibliografia sobre esta personalidade histórica presta poucas informações concretas. Além da sua declarada relação com Odemira e com a botica, apenas se sabe que nasceu na segunda metade do século XV. Era proveniente, com muita probabilidade, de família de boticários, o que explicará o seu nome (São Damião e seu irmão São Cosme eram protectores dos médicos e farmacêuticos), sendo ele próprio boticário.
Ele escreveu uma obra que levou o título, em italiano, Questo libro e da Impare Giochare à Schachi [...], um livro destinado, portanto, a ensinar o jogo do xadrez. Passaria, a partir de 1512 (data da primeira edição, em Roma), a ser considerado, pelos especialistas, o primeiro grande tratado desse jogo. A presença de Damião em Roma, que alguém, injustificadamente, já relacionou com perseguição movida pela Inquisição, poderá, quando muito, ter a ver com a expulsão dos judeus, em 1496, no pressuposto, plausível, da sua ascendência judaica.
Escrito em italiano, e também, algumas partes, em castelhano, línguas cultas da época, conheceu ao longo dos tempos inúmeras edições, em várias línguas (francês, inglês e alemão), mas só em 2008 foi editado em português, com tradução e introdução de Nuno Sá, pela editora Campo das Letras. Ainda hoje, graças a Damião, Portugal faz parte do vocabulário usado no xadrez.
Contemporâneo do período da expansão marítima, o tempo da construção do Império, decerto à vila onde morava chegaram os reflexos económicos e culturais dos novos tempos. Sendo o xadrez, naturalmente, na época, um jogo de elites, exigia praticantes se não letrados pelo menos frequentadores de ambientes com alguma sofisticação. A vida e os gostos de Damião reflectiriam, assim, um ambiente urbano economicamente desafogado, eventualmente imbuído da cultura humanista, e o seu livro repercute essa situação.
A figura de Damião, descoberta, em Odemira, pela escola, por volta de 1985-87, foi, durante alguns anos, o centro de projectos escolares, tendo acabado por dar nome a uma das escolas. Na sequência, a Câmara Municipal organizou um torneio anual de xadrez, na vila de Odemira, entretanto acabado. Materialmente, sobejou desse tempo uma escultura naif, representando Damião, da autoria de Liberdade Sobral, colocada no Jardim da Fonte da Rola. Passado esse intenso período de descoberta local de Damião, a sua evocação esmoreceu.
Esta nota pretende relembrar uma figura odemirense, que se destacou, no particular campo do xadrez, com a edição de um tratado que marcou a história do jogo, cuja primeira edição foi dada à estampa fez 500 anos, no passado ano de 2012, sem que ninguém na sua terra tivesse recordado esse facto. Por mim, talvez com mais obrigação que muitos outros, me penitencio.
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