10h33 - quinta, 17/01/2019

"Rio Mira vai cheio" (I)


António Martins Quaresma
Foi, salvo erro, o "Trio Odemira" que, já lá vão umas décadas largas, pegando nos versos de uma cantiga popular, substituiu a palavra "ribeira" por "rio Mira" e cantou: "Rio Mira vai cheio/ E o barco não anda/ Tenho o meu amor/ Lá na outra banda", etc. A manipulação do poema primitivo não me parece pecado grave, pois neste tipo de registo popular não há direitos de autor e, além disso, as variantes são regra. Mas, certamente, os versos aplicam-se ao Mira doce, e não ao troço estuarino, influenciado pelas marés.
O rio Mira é, reconheça-se, um curso de água com índole própria. Não corre ele de sul para norte (melhor, de sueste para noroeste)? É verdade que partilha essa característica com o rio Sado, este talvez ainda mais idiossincrático, pois nem mesmo a sua fonte é livre de discussão. Não é o Mira o único verdadeiro rio que desemboca em plena Costa Alentejana? De facto, nem o grande Guadiana, nem mesmo o vacilante Sado, rios alentejanos, se podem ufanar de exaurir as águas em tão consagrada costa marítima.
Tem princípio na vertente norte da Serra do Caldeirão, em lugar da freguesia de Santa Clara-a-Nova, concelho de Almodôvar. Geologicamente, esta serra resulta de um empolamento da peneplanície, de origem tectónica, e drena, para norte, através dos rios Mira, Vascão, Oeiras e Foupana, os três últimos tributários do Guadiana. O lugar do nascimento do nosso rio está marcado por uma placa, a modo de informação rodoviária, útil para o viajante porque o vale encontra-se, aí, com frequência, completamente seco (figuras 2 e 3).
Transcorrido cerca de um quarto do percurso, o Mira sai do concelho de Almodôvar e entra no de Ourique. Neste, após se cruzar com o IP1 (figura 4), ostenta um ponto de particular significado histórico: o Castro da Cola, a coordenadas 37º 34' 44.09''N; 8º 18' 01.60''O. Sobre a margem direita, na paisagem agreste e alcantilada, com uma vegetação natural do tipo mediterrânico, avultam ruínas de uma povoação acastelada, da época islâmica, e uma ermida de especial devoção regional, da invocação de Nossa Senhora da Cola (figuras 5 e 6).
Marachique se chamava a povoação. Ainda teve foral em 1262, mas acabou extinta, enquanto o seu termo era repartido por dois novos municípios (Ourique e Almodôvar). Prova de que também os aglomerados humanos podem estar sujeitos ao "destino" de qualquer ser vivo – nascimento, vida e morte. Os seus notáveis vestígios interessaram gerações de estudiosos e arqueólogos, como o humanista eborense André de Resende e o iluminado bispo pacense Manuel do Cenáculo. Não obstante boa parte do seu espólio ter sido delapidado ao longo de séculos, da antiga Marachique ainda sobejou muito de notável, não só no próprio sítio arqueológico, como guardado em museus. Hoje, do Circuito Arqueológico da Cola fazem parte vários povoados e necrópoles, de sucessivos períodos da pré e da proto-história.
Quanto ao santuário da Cola, a sua antiga e popular atracção tem, decerto, raízes profundas no tempo, que remontarão a um culto pré-cristão, talvez relacionado com as águas, as do Mira, que correm em baixo. A ermida, de dimensão considerável para um templo rural, exibe arquitectura e decoração barrocas, com as suas duas torres sineiras, o nártex abobadado e o retábulo de talha do altar-mor. Extraordinariamente, o santuário é propriedade da Misericórdia de Ourique, graças a um pároco desta vila, que, por meado do século XX, o "doou" (!) a esta instituição.
Um pouco mais a jusante, o rio Mira volta sensivelmente para sudoeste, direcção que mantém até Sabóia, já no concelho de Odemira, não sem antes ter sido capturado pela barragem de Santa Clara. É esse troço que, terminado o do Alto Mira, ocupará a próxima crónica.



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