15h49 - quarta, 23/12/2020
São Silvestre
António Martins Quaresma
Dia de Santo António, Dia de São João, Dia de Natal, Dia de Todos os Santos, domingo de Páscoa... Há muito tempo que os dias do nosso calendário, o gregoriano, estão associados a um santo ou um acontecimento relevante para o cristianismo. A longa, de muitos séculos, omnipresença da religião na vida das pessoas e dos povos está na origem desse facto.
Ultimamente, porém, surgiram novas datas comemorativas, ligadas a realidades valorizadas pelas sociedades modernas, como o Dia da Liberdade, o Dia da Criança, o Dia Internacional da Democracia, etc. E, inevitavelmente, por influência dos States, surgiram Halloween, Black Friday, e outros tais, que, afanosamente, os meios de comunicação social e até a escola se têm dedicado a difundir. Da mesma origem, são algumas evocações mais ou menos bizarras, como o "Dia do Gato Preto" e o "Dia Internacional do Ninja".
Quero referir-me especialmente ao Dia de São Silvestre, que calha a 31 de Dezembro, por nesse dia, do ano de 335, ter ocorrido a morte do santo. Neste dia, o último do ano, realiza-se a festa do Réveillon, palavra de origem francesa, que se liga à ideia inicial de ficar acordado. Na realidade, o nome de São Silvestre usa-se para certas actividades realizadas a 31 de Dezembro, nomeadamente as desportivas, mas não tanto para a passagem do ano.
Perguntarão alguns: quem foi este santo chamado Silvestre? Pois, este santo, como pode ser visto em qualquer dicionário de santos e hoje está disponível a qualquer um através da internet, foi um papa que desempenhou o seu pontificado entre os anos de 314 e 315. Na época, portanto, de Constantino, o primeiro imperador romano que professou o cristianismo, numa decisão considerada mais um gesto político do que uma verdadeira adesão aos princípios religiosos. A verdade é que a resolução se revelou muito importante para mundo, pois esta religião, medrando em toda a área do império, acabou por passar triunfante à Idade Média e à chamada "civilização ocidental".
Por curiosidade, no século IX, apareceu um conhecido édito imperial, em que Constantino doava Roma ao papado, após o baptismo do imperador por Silvestre, no baptistério de Latrão. Este documento, que conferia ao Papa poder temporal e legitimava a sua capacidade de interferir nos assuntos políticos do vasto território europeu em causa, fora, contudo, forjado pela cúpula eclesial, o que a própria Igreja acabou, mais tarde, por reconhecer.
As imagens que ilustram esta crónica são de duas das famosas pinturas a fresco, medievais, com episódios da lenda de São Silvestre, que decoram a capela dedicada a este santo, na igreja de Santi Quattro Coronati, de Roma. A n.º 1 [em cima] mostra a cena do baptismo de Constantino por Silvestre e a n.º 2 [em baixo] representa o imperador, do lado direito, entregando a tiara papal ao Papa Silvestre I, sentado no trono pontifício.
O momento da mudança para o novo ano, esse recomeço anualmente repetido, próximo do Solstício de Inverno, no ciclo interminável da passagem dos anos, está associado a uma série de tradições, como a de comer 12 uvas passas, ao som das badaladas da meia-noite, enquanto se formulam outros tantos desejos e, como se sabe, a de que o ano velho se deve enterrar com a maior alegria possível, ideia concretizada em Réveillons e espectáculos de fogo de artifício. Tanto uns, como outros têm-se, nos últimos tempos, tornado regulares em terras do Litoral Alentejo, particularmente em Vila Nova de Milfontes, criando uma animação, que faz lembrar um pouco o turístico mês de Agosto.
No presente ano, por culpa da Covid-19, não será possível festejar São Silvestre, isto é, a passagem do ano, da forma que tem vindo a ser hábito. Para desgosto de adeptos da farra e prejuízo de empresários da restauração. Porém, alguns, não sendo farristas, nem organizadores de Réveillons, não deixarão de sentir alguma satisfação, ou, pelo menos, certo alívio, por este Ano Novo sem agitação à sua volta.
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