16h36 - quarta, 15/09/2021
Reflexões de um cidadão em vésperas de eleições
Fernando Fonseca
Porque me defino como estruturalmente apartidário e no pleno uso da liberdade de pensamento, questiono-me acerca das considerações a ter no momento da decisão, quando se trate de votar Legislativas ou Autárquicas. Espera-se de ambas, que implementem políticas concretas para fomentar o desenvolvimento da nação com vista ao bem-estar do povo, embora com abordagens diferentes, pois exigem esclarecimentos igualmente diferenciados. Situam-se na esfera de acção parlamentar dois valores a ter em conta, a saber: O programa do partido o fundamentado ideologicamente e a idoneidade/credibilidade dos políticos a eleger.
Legislativas
As preocupações ao votar legislativas, apesar de terem um pano de fundo comum às autárquicas, obrigam a uma abordagem diferente pois exigem esclarecimentos igualmente diferenciados.
Elegemos políticas, políticos ou notáveis sem ideologia conhecida?
Que esperar de políticos cuja experiência nunca decorreu fora da escola partidária?
Como eleger candidatos com práticas desenvolvidas em contravenção das suas promessas eleitorais?
Como aderir a promessas proferidas por candidatos que prometem mundos e fundos parecendo acreditar sem reservas nas suas próprias palavras?
Como aceitar candidatos ditos "independentes", oponentes dos partidos cujos programas defenderam até à véspera?
Como é possível aderir a promessas populistas sedutores das massas, que se revelam nitidamente como elevadores de poder?
Que crédito têm candidatos que prometem "simpáticas" medidas que se opõem à genética ideológica do partido que representam?
Como aceitar o deserto de ideias verbalizado por "slogans" vazios de sentido que pululam na paisagem dos "outdoors"?
Quando ao cidadão é solicitado o seu voto, não são as mesmas as considerações a ter em conta quando se trata do Governo da República ou do Poder Autárquico.
Do poder central se espera a geração de leis democráticas que regulem a vida da nação no sentido de aperfeiçoar o sistema na perspectiva de justiça social, da solidariedade e da qualidade de vida dos cidadãos, com prioridade para as grandes causas sem as quais não se consegue o melhoramento da sociedade.
Infelizmente, ainda há sectores da população receptivos a heróis sebastiânicos não surgindo já, de uma qualquer manhã de nevoeiro, mas com a táctica populista que explora a ausência de cultura política alimentada em aspirações defraudadas por expectativas não cumpridas pelos sucessivos governos, de depois de Abril. Eleitores que não têm tempo nem paciência para ler programas partidários, elevam ao pódio líderes que têm atrás de si um batalhão de criativos que lhes debitam os "slogans" vazios de sentido, pretensamente sedutores.
Somos mobilizados para eleger 240 deputados, mas o protagonismo dado aos mediáticos cabeças de lista, induzem ao eclipse de todos os outros 220.
Como é que nestas condições se consegue regenerar o paradigma político em Portugal?
Na democracia representativa o voto é sempre um cheque em branco que se estende enquanto vigoram as legislaturas, e ao povo, crítico, mas ludibriado, nada resta além do protesto, da manifestação ou da greve cada vez mais débeis, porque a vivência democrática criada na histórica luta contra a opressão está envelhecida, e as novas gerações outra realidade não conhecem, senão a da incompetência, dos jogos de interesse mascarados de acção política e de uma certa complacência face ao saque no mundo da finança.
Creio que a seu tempo virá uma consciência só possível em situações de ruptura, a culminar algo de insustentável.
Autárquicas
Governar um município tem igual importância que governar um país. São partes hierarquizadas de um todo, distintas na especialidade. Cada município se caracteriza por realidades específicas que vão da paisagem, dos ecossistemas e recursos naturais, às gentes, às organizações de solidariedade social, recreativas e culturais, aos empreendimentos agrícolas e pecuários, industriais e transformadores, empresas familiares, locais, nacionais e transnacionais. É esta realidade complexa que tem que ser caracterizada e com ela fazer o exame e diagnóstico da realidade. Como as sociedades têm um generalizado comportamento predador do planeta, todo o projecto/processo de desenvolvimento terá forçosamente que passar por um conhecimento aprofundado e racionalizado dos recursos naturais e de uma cultura que reconheça a nossa dependência desses recursos e a necessidade da sua preservação.
Só um desenvolvimento sustentado, ecologicamente equilibrado, democraticamente aceite e partilhado, em que os actores são simultaneamente destinatários terá futuro.
Alterações sistemáticas estão a acontecer no litoral alentejano no que chegou a ser um Parque Natural, consequentes de um entendimento tortuoso de desenvolvimento em que os empreendimentos de maior impacto estão a revelar-se os principais agressores da paisagem outrora natural e dos ecossistemas locais, face à incapacidade da autarquia impor uma lógica natural, à inércia ou provável indiferença dos detentores do Poder Central, revela a capacidade de antever esses efeitos.
Não pretendo desvalorizar obras e equipamentos produzidos pelos autarcas; vias de acesso, fornecimento de electricidade ao meio rural, saneamento, apoios à infância e aos idosos entre outros. Mas qualquer cidadão no uso do seu direito de crítica e sem necessidade de maior aprofundamento da questão, percebe que a aprovação "por inércia" desses métodos de produção intensiva quase todos em regime de monocultura, ficou a dever-se ao sedutor brilho do dinheiro que na realidade se escoa além-fronteiras. Substituiu-se assim, o verde dos pinheiros a intercalar com outras culturas tradicionais pelo brilho das extensões de plástico, minúsculo arremedo do que observamos ao sobrevoar Múrcia. Substituiu-se o agradável aroma das aromáticas da charneca e das dunas, pelo fedor a merda das fossas do Algarve.
Assim, uma região, que pelas suas características mereceu o estatuto de Parque Natural, respeitador de culturas tradicionais, da economia familiar e regional de base ecológica, foi posteriormente cobiçada, invadida e colonizada com práticas que adulteraram a sua natureza não contribuindo em nada para aqueles que antes, já cá estavam. Pelo contrário as consequências que se adivinham, são a dependência dos alimentos produzidos pelos colonizadores, de pior qualidade, e ao preço que eles estabelecerem.
Até a apregoada criação de emprego se revelou uma mentira; o que se observa é uma despudorada exploração de mão-de-obra estrangeira operada por máfias internacionais a que se opõem (?) tímidas declarações dos governantes.
E o interior? Onde estão os sinais de um plano de desenvolvimento? Nada. O que se vê, pouco, deve-se a poucas pessoas com iniciativa a carecer de um planeamento conjunto.
É preciso uma autarquia que, ao mesmo tempo que faz a gestão do município real, seja capaz de imaginar/conceber/debater com potenciais colaboradores e implantar, modelos inovadores que ultrapassem a curta visão de duas legislaturas, e projecte a sua ambição para médio e longo prazo.
Uma estratégia dessas terá de ter em conta:
1 Uma cultura de conhecimento aprofundado da região, um inventário de recursos naturais e estudo das suas potencialidades.
2 Práticas pedagógicas articuladas com a vida real, integradas num projecto educativo perspectivado numa "dimensão regional do currículo", com divulgação de projectos escolares desde a abordagem e sensibilização, até aos projectos de final de escolaridade integradores dos saberes adquiridos da realidade onde se inserem. Quem for bem-sucedido na sua terra, será sempre bem-sucedido em qualquer lugar.
3 Apoio prioritário a projectos de desenvolvimento do interior, desde que respeitem integralmente o ambiente (incluindo projectos de recuperação ambiental e do ecossistema) com a participação mínima de 50 a 60% de mão-de-obra regional, 20% a 30% de outras regiões, 10% estrangeira valores exemplificativos.
4 Criação de prémios para os projectos mais bem-sucedidos, e sua divulgação por vários meios, em Portugal e no estrangeiro.
Uma autarquia, como um ciclista, não pode olhar para o chão que a roda frente pisa, antes projectar o seu olhar para longe, para o conhecimento antecipado do caminho que há-de percorrer.
Afinal, o que votamos? - políticas, políticos, gestores, feitores ou tarefeiros?
Somos solicitados a eleger aqueles que nos pareçam os melhores para governar.
Há quem siga fundamentalmente aos princípios ideológicos e aos conteúdos programáticos e outros que se sinjem acriticamente à sigla partidária com fidelidade futebolística. Há aqueles que se decidem pela experiência, personalidade e carácter do candidato, e frequentemente pelo aspecto físico, simpatia, discurso e tantas vezes a "lábia".
Nos debates televisivos, mais do que uma análise clara da realidade e a substância da comunicação que o eleitor possa aferir, com o conhecimento que tem da realidade, parece vencer frequentemente a ideia de que o melhor candidato é aquele que dá a volta ao adversário, o que em vez de reflectir demoradamente, tem resposta rápida.
No meu ponto de vista, a opção não pode ser tão simplista:
- Se valorizarmos a ideologia e o programa proposto e secundarizarmos os candidatos, nada nos garante que, quando menos se espera, a sua vinculação àquelas duas referências não se altere em função de ajustamentos ditados por serôdios factores de influência, com as consequências de que as práticas políticas seguintes, não correspondam á expectativa criada.
- Se optarmos pela competência técnica ou intelectual do candidato, não nos podemos lamentar se a sua prática política se desenvolver numa perspectiva pessoal, à margem de princípios balizadores de um projecto democrático.
- Se um "homem-bom" referenciado no meio regional, se candidatar com forte apoio de qualquer partido e durante a campanha ele apresentar uma perspectiva supra partidária das medidas para o governo autárquico segundo o seu próprio entendimento, e se pela apresentação das suas propostas os cidadãos o elegerem, é quase certo, que o partido que mais o apoiou em campanha, só irá apoiar medidas suas fora dos jogos de poder partidário, depois de concretizadas as que eram do partido, e que eventualmente postas a sufrágio, não tinham garantia de sucesso.
O entendimento que tenho da acção política a qualquer nível da pirâmide democrática, é a que for protagonizada por políticos que tenham uma ideologia pró-justiça democrática, progressiva eliminação de assimetrias económicas e culturais, que desenvolva uma gestão em prol das populações e do território, numa perspectiva humana e ambientalista, que considere o seu município, como prioritário, mas complementar do país e do mundo, pessoa impoluta de razão clara. Que se considere a si próprio um elemento ao serviço da comunidade e que não favoreça nunca os interesses de "lóbis" ou de particulares.
Quero um político que se reveja num processo educativo formador de cidadãos conscientes da sua interdependência com a sociedade e com o ambiente, conhecedor dos recursos da sua região, criativo ou seguidor de acções de desenvolvimento integrado e crítico relativamente às políticas que o afectem; Quero um político acima de tudo representante dos seus munícipes, detentor de um perfil esclarecido, interveniente e responsável capaz de gerir o município assegurando o bem-estar das populações, de reduzir significativamente os impactos negativos e perniciosos que atentem contra o património natural, que estabeleça estratégias e promova sinergias para que as nossas crianças e jovens possam vir a ser no futuro, políticos activos, responsáveis solidários.
Esse candidato, terá o meu voto.
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