16h01 - quinta, 21/04/2022
Um dilema nas nossas vidas
Fernando Almeida
Eu, evidentemente, como todos nós, quero ter uma autoestrada para chegar a Braga, e outra para ir até Madrid, Barcelona, Paris ou Berlim, mas não quero que nenhuma delas passe perto da minha porta. O trânsito automóvel faz ruído, produz gases que contaminam o ar que respiro e as autoestradas são inestéticas e desagradáveis. Não prescindo das estradas e autoestradas, mas desde que longe de mim.
Quero ter eletricidade em casa sem falhas e barata, mas não quero ter cabos de alta tensão perto do meu telhado porque, como se sabe, criam campos eletromagnéticos que são suspeitos muito sérios de potenciar doenças graves como a leucemia e outras doenças oncológicas. Também não quero mais barragens para produção de energia elétrica nos meus rios, porque interrompem o seu curso natural; nem geradores eólicos nas minhas serras, porque produzem sons de baixa frequência e podem matar as aves e morcegos; nem painéis fotovoltaicos nos meus campos, porque ensombram a terra que poderia dar trigo; nem centrais termoelétricas por causa das alterações climáticas; nem nucleares por causa dos riscos de acidentes radioativos e dos resíduos que geram
Tragam-me eletricidade, porque eu não posso passar sem ela, mas não me obriguem a correr riscos.
Quero ter telemóvel e portátil com bateria, e também bateria para o automóvel elétrico, mas não quero nem a exploração nem o tratamento de lítio perto de mim. Pode sempre contaminar o ambiente, criar poeiras tóxicas, poluir as águas subterrâneas ou superficiais. Portanto, quero lítio, mas não aqui. Talvez lá para a África, ou Ásia, ou em qualquer outro lugar, com povos que tudo têm que suportar para que eu viva com as comodidades europeias a que tenho direito.
Abasteçam-me de comida, de preferência saudável e barata, mas não usem água para regar, nem removam o solo, nem usem estufas. É claro que seria impensável ver as prateleiras dos supermercados vazias, mas também não aceito ver a paisagem degradada com plásticos nem campos com tratores e armazéns. Não estou disposto a fazer sacrifícios como apanhar azeitona ripada à mão das velhas oliveiras galegas, porque nos dias frios de outono enregela os dedos e faz frieiras, e no fim de um dia de trabalho não conseguiria apanhar azeitona que permitisse pagar todas as minhas necessidades. Evidentemente, quero azeite barato e abundante de oliveiras galegas, oliveiras que mantenham as paisagens tradicionais, porque gosto do bucólico da vida camponesa antiga. Mas não me peçam dez ou quinze euros por litro de azeite, que isso eu não pago.
É assim. Vivo, e se calhar vivemos todos, neste dilema de estar espartilhado entre os nossos ideais e os problemas que resultam do nosso modo de vida. Tenho visto sobretudo duas posições extremas quando se olha para esta situação: uns acham que o que importa é a economia e o seu crescimento, e que por isso os interesses do ambiente, dos campos e de quem lá vive são secundários; outros acham que o mundo atual deve dar lugar subitamente a um mundo que idealizaram, mas que efetivamente não sabem como construir, porque simplesmente não é exequível assim de um momento para o outro, e implicaria enormes mudanças no nosso quotidiano. Os primeiros querem manter o modelo de sociedade, de economia e de estilo de vida, não querendo aceitar que ele é insustentável. Querem qualquer solução desde que crie dinheiro, mesmo que nos condene à miséria a prazo; os outros são teóricos idealistas sem os pés assentes na terra. Imaginam um mundo romântico que não existe nem nunca existiu, e que provavelmente nunca poderá vir a existir. São geralmente urbanos que dão palpites sobre a vida rural sem conhecimento de facto, e que do mundo real sabem mais pela suas consultas na internet que de experiência vivida.
É claro que o mundo, conforme o temos gerido, é verdadeiramente insustentável e, se não corrigirmos rapidamente muitos dos nossos erros, teremos um futuro bem negro. Mas também é verdade que essas correções que se impõem têm que ser feitas com pragmatismo tendo em conta as reais condições que a natureza, a economia e a cultura das pessoas impõe.
É no equilíbrio entre as duas posições extremas que temos que buscar soluções que sirvam uma evolução que mantenha ou melhore a qualidade de vida de todos, mas que ao mesmo tempo garanta um mundo sustentável. Claro que teremos que ter barragens. Elas permitem fornecer água em tempos de escassez, produzir energia e também gerir a energia disponível na rede. Mas poderemos ter essas barragens e ao mesmo tempo manter os caudais ecológicos dos rios e criar canais secundários do tipo "escada para peixes" que permitam a ligação entre os troços a montante e a jusante das barragens. Outro tanto deverá ser feito no transporte de eletricidade em alta tensão, que evidentemente se deve afastar dos povoados e das habitações: nem deixar de ter eletricidade porque não se podem criar linhas de alta tensão, nem sujeitar algumas pessoas ao risco de doenças oncológicas graves para que os demais tenham energia. As redes devem afastar-se dos povoados e, se for impossível evitar que passem sobre habitações isoladas, os seus habitantes devem ser indemnizados para que se possam mudar. O mesmo se poderá recomendar para a criação de estradas e autoestradas, de minas e pedreiras, etc..
Mas mesmo que uma gestão prudente e de futuro dos nossos recursos naturais e do nosso espaço seja dispendiosa, isso não será problema, porque nunca houve no planeta tanta riqueza acumulada nas mãos de tão poucos. É por isso também necessário redistribuir melhor a riqueza e orientá-la para o que realmente é importante para todos nós.
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