10h32 - quinta, 10/11/2022

O velho moinho


António Martins Quaresma
No seguimento da crónica que assinei em número recente do "Sudoeste", vem a propósito o registo de mais um viajante estrangeiro, em passagem por Vila Nova de Milfontes. Trata-se de Isidore Justin Severin, dito Barão Taylor, ou Justin Taylor (1789-1879), renomado homem de cultura francês, que recebeu o apelido Taylor de seu pai, que tinha nacionalidade inglesa. Ele foi também um grande viajante, que deixou "quadros" dos inúmeros lugares que visitou. Sobre a França, publicou, em colaboração com outros autores, uma extensa obra intitulada Voyages Pittoresques et Romantiques Dans L'Ancienne France, um verdadeiro repositório do património francês. Curiosamente, foi J. Taylor que negociou a transferência do obelisco egípcio, proveniente do templo de Luxor, que se pode ver na Praça da Concórdia, em Paris.
Interessa-nos aqui o seu livro intitulado A Picturesque Tour in Spain, Portugal and along the Coast of Africa, from Tangiers to Tetuan, publicado em 1826 e 1827, que contém diversas estampas, legendadas em francês e inglês, de lugares que visitou. Surpreendentemente, das poucas imagens que inclui sobre Portugal, uma é de Vila Nova de Milfontes. Representa um moinho de vento, que o viajante viu à sua chegada a Milfontes e achou de extraordinária aparência. A razão da escolha deste moinho para fazer parte da colectânea prende-se, decerto, com a atracção dos autores do Romantismo por uma "estética do pitoresco".
Embora J. Taylor indique apenas que se tratava de um moinho "in the vicinity of Vila Nova de Milfontes", da sua localização exacta não subsiste muita dúvida, até porque ele está marcado nos mapas oitocentistas de Filipe Folque e Gerard Pery. Ficava na cerca perto do campo de futebol, onde é hoje um parque ajardinado, então fora da vila, ao rés da antiga estrada de Lisboa, o, na realidade, caminho arenoso por onde o nosso viajante transitava, naturalmente a cavalo. Eu próprio recordo ainda os vestígios do moinho, embora já completamente demolido. Ele ficou memorizado no topónimo Moinho de Vento que continuou a designar esta área depois do seu desaparecimento e denominou a rua, a que mais recentemente foi dado o nome de Dr. Duarte Silva.
É verdade que, observando a figura, o moinho parece estar sobre uma elevação, facto compreensível porque, dos lados de poente e sul, o terreno apresenta acentuado declive, o que na altura era bem mais notado, e porque o desenho não pretenderá figurar o sítio com rigor descritivo. Notem-se ainda as altas inflorescências das piteiras (agave), planta muito usada em sebes, bem como a imagem típica de um homem tangendo mulas, ou burros, que carregam sacos e um alforge de cereal, para moer. O moinho tem "rabo" para a deslocação circular da cobertura, possibilitando virar as velas na direcção do vento, de um tipo característico do Noroeste do país, mas raro no Sul. A cobertura era formada por armação cónica, em madeira, recoberta pelo "capacho", de material vegetal, para obter impermeabilização. O aspecto irregular do "capacho" e o material de que é confeccionado conferem ao moinho uma feição deveras rústica. No entanto, o material vegetal – junco, cana, etc. – usava-se, frequentemente, em Portugal, e não só. Abundante nos areais costeiros da região, com ele se construíam as choupanas, de que há notícia em todo o Litoral Alentejano, mesmo em pleno século XX. O junco chegou a ser exportado daqui, nomeadamente por via marítima.
Este moinho de vento constituiu, por muito tempo, a primeira impressão de quem, vindo de norte, estava prestes a chegar a Vila Nova de Milfontes – e que, um pouco adiante, passaria junto à ermida de São Sebastião, onde começava a descida para a vila, assentada lá em baixo, na margem do Mira. Hoje, "veem-no" apenas os que buscam entender as transformações do território no fio do tempo. De palpável ficou, contudo, o desenho de J. Taylor, que um dia, há 200 anos, passou por aqui e o traçou no seu "caderno de campo".



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