15h11 - quinta, 24/11/2022
A caminho do caos
Fernando Almeida
Continuamos entretidos com as nossas vidinhas pequenas, com as nossas rotinas, com as alegrias e tristezas de cada dia, como quem caminha de olhos no chão e não vê para onde se dirige. Mas será talvez tempo de levantar a cabeça e perceber que o rumo que estamos a tomar nos conduz a um precipício de onde não há retorno nem salvação.
Na Década de 1970 já havia uma forte convicção na comunidade científica que as alterações que o ser humano estava a introduzir na composição da atmosfera poderiam criar problemas muito sérios e que era urgente conhecer o problema em profundidade e tomar medidas concretas para o resolver. Em 1977, Frank Press, conselheiro científico do então presidente dos EUA, Jimmy Carter, referiu que por causa do "efeito de estufa", o aumento da concentração do CO2 atmosférico induziria um aquecimento global entre meio grau e cinco graus centígrados. Adiantou também que eram previsíveis consequências catastróficas na vida das pessoas e que poderia haver quebras significativas nas colheitas. Depois dele, muitos foram os cientistas de credibilidade indiscutível que chamaram a atenção para a necessidade urgente de tomar medidas práticas e efetivas no sentido de reduzir as emissões de dióxido de carbono de origem fóssil para a atmosfera, mas parece que nada tirou os governantes do mundo das suas preocupações menores sobre as décimas do crescimento do PIB ou sobre as previsões da sua popularidade e resultados eleitorais.
O problema do aquecimento global e das consequentes alterações dos climas da Terra tem origens conhecidas e não são muito distantes. Começa no fundamental com a revolução industrial e com o consumo de carvão mineral que caracteriza a sua primeira fase. Este carvão, que queimado como fonte de aquecimento, mas também como forma de conseguir energia mecânica para a indústria nascente, e mais tarde para a produção da eletricidade que faz mover o mundo, criou também problemas de acidificação da atmosfera e graves chuvas ácidas. Foi assim causa de doenças respiratórias nas áreas industriais, e de chuvas ácidas que degradaram monumentos e secaram até florestas inteiras.
Ao mesmo tempo que o carvão mostrou precocemente trazer problemas sérios, e que as tecnologias melhoraram a capacidade de carga dos navios, as grandes corporações começaram a dominar o mercado mundial do petróleo. Com o negócio do petróleo em crescimento, o carvão foi perdendo peso relativo no abastecimento energético do mundo, substituído pelo petróleo e seus derivados, capazes de providenciar energia, mas também uma infinidade de produtos que vão dos medicamentos ao têxtil ou à pavimentação das estradas. Passamos a ser "petróleo-dependentes" em absoluto, ao ponto de mesmo as pequenas variações do seu preço poderem provocar crises económicas sérias no mundo.
Por último, chegou o "gás natural" sobre o qual foram ditas maravilhas (desde logo por se chamar "natural"), dando mesmo a entender que seria uma boa solução para o abastecimento energético da humanidade. É verdade que geralmente contém menos componentes perigosos associados que o carvão (como, por exemplo, o enxofre), mas no essencial conduz do mesmo modo ao aumento das emissões de dióxido de carbono para a atmosfera e, nesse sentido, não é melhor nem pior que os demais combustíveis fósseis. A campanha para promover o gás natural foi apenas isso, uma campanha.
Entretanto, as alterações climáticas, das quais falávamos como fenómeno que se viveria no futuro, já entraram no nosso quotidiano: a expressão "seca extrema" é-nos familiar e todos nós, sobretudo no sul de Portugal e da Europa, olhamos para as previsões meteorológicas na esperança que a chuva venha repor os níveis das albufeiras e das reservas de água do subsolo; sabemos, e isso hoje já deixou de ser ocultado, que as vagas de calor matam a população mais vulnerável; vemos tornados e furacões com enorme frequência e poder destruidor; as enchentes diluvianas sucedem-se (a última que foi notícia aconteceu no Paquistão, afetou mais de trinta milhões de pessoas e cobriu uma área equivalente a três vezes a superfície de Portugal!).
Existem já dezenas de milhões de refugiados climáticos, mas segundo a ONU esse valor pode crescer exponencialmente de modo que, em meados deste século, poderão ser mais de mil milhões os que terão de abandonar a sua terra natal e partir para algum local onde ainda se consiga viver. Junta-se a isto a possibilidade cada vez mais provável de começar a haver falta de alimentos no mercado mundial (de momento potenciada pela guerra na Ucrânia e as dificuldades colocadas à exportação de adubos russos), sobretudo pela redução da produtividade agrícola geral e da ocorrência de fenómenos meteorológicos extremos, como inundações, vagas de calor, tempestades e secas.
E com tudo isto que já se sente hoje e se prevê com segurança para o futuro, o facto é que as emissões de carbono para a atmosfera não diminuem, e mais uma vez a COP foi um fiasco. Perguntamos legitimamente: que andam a fazer os condutores dos destinos do mundo, que vendo que nos encaminhamos para o precipício, não mudam de rumo. Será que em vez de defenderem os nossos interesses e o futuro dos nossos filhos e netos, continuam às ordens das grandes corporações internacionais doentiamente obcecadas com o lucro imediato e nada preocupadas com o futuro das gentes comuns como todos nós?
Olho para o mundo atual e vejo um comboio apinhado de passageiros alegremente alienados, dirigido por maquinistas loucos. E vamos a caminho do precipício cada vez mais depressa. Benditos sejam os jovens que ocupam as escolas e protestam, porque, bem vistas, as coisas serão possivelmente os mais lúcidos de todos nós.
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