16h03 - quinta, 22/12/2022

Agricultura nossa de cada dia


Fernando Almeida
Num momento histórico em que finalmente se vai percebendo que o desrespeito com que temos tratado a natureza está a degradar assustadoramente as condições de vida na Terra, é tempo de repensar o nosso modo de vida e o nosso papel no planeta. Entre os que continuam a pensar que podemos desrespeitar as leis da vida sem consequências, e os que julgam que o próprio ser humano se deveria extinguir para que as agressões à vida desaparecessem, há um caminho orientado pela racionalidade e pelo bom senso para que se possa reencontrar o nosso lugar na natureza.
Sabemos que os veados derrubam árvores jovens, mas os gaios as semeiam, que o javali "lavra" a terra mudando o solo da floresta, e até as formigas abrem caminhos nos campos, difundem afídios, mas destroem outros insetos. De uma forma ou de outra, todos os seres vivos modificam o ambiente em que vivem, e essas mudanças fazem parte das leis da própria natureza.
Também o Homem, que não é senão um ser vivo como os demais, desde sempre fez alterações no ambiente e essas alterações beneficiaram algumas espécies, mas prejudicaram outras: quando arroteou terras, transformando as antigas florestas e matagais em searas, perderam os corços e os esquilos, mas prosperaram as lebres, as perdizes ou as abetardas… Quando plantou sobreiros em terras que antes tiveram trigo, novas mudanças aconteceram neste grande palco de vida que é a Terra.
Mas a vida é pela sua natureza feita de mudança permanente, não estática e imutável como em tempos se pensou e alguns ainda creem. Por isso, é normal que as atividades do Homem, como de qualquer outro ser vivo, alterem as paisagens, mas isso só será um problema se essas atividades comprometerem os recursos naturais e a sua sustentabilidade.
Este é o princípio que deve nortear a apreciação do impacto das nossas atividades e a sua viabilidade: se uma atividade, qualquer que ela seja, pode ser realizada sem degradar os recursos que nos permitem viver, então deve ser aceite sem condições: se, pelo contrário, uma atividade que desenvolvemos degrada os recursos da natureza, e de uma maneira ou de outra, nos vai criar problemas, deve ser eliminada ou alterada para que os seus impactos negativos sejam suprimidos.
No que toca à agricultura este princípio deve ser também aplicado. Uma cultura agrícola, realizada num campo, nas proximidades de aldeias e pessoas, cria problemas? Usa químicos como os organoclorados que provocam a doença de Parkinson? Utiliza neonicotinóides que desbaratam insetos úteis ou mesmo indispensáveis como os polinizadores? Aplica agroquímicos que eliminam a vida microbiana e a pequena fauna do solo? Usa herbicidas fortemente tóxicos para os ambientes aquáticos ou cancerígenos? Provoca perdas importantes de solo por erosão? Contamina as águas subterrâneas impedindo o seu consumo seguro? As águas que escoam para as ribeiras vão contaminar os rios e o mar impedindo-nos de consumir peixe e marisco com segurança?
Não é difícil de perceber que se uma cultura agrícola tem algum destes impactos (ou vários deles) não nos interessa e mesmo que possa ser economicamente muito vantajosa para alguém, é, para todos nós, prejudicial e fundamentalmente negativa. Por isso terá que se eliminar os impactos negativos causados por essa cultura, repensando os processos produtivos e corrigindo o que tiver que ser corrigido para que se possa manter a produção agrícola que é fundamental para a nossa existência.
Há, no entanto, que ter consciência que em muitos casos a substituição de práticas de cultura baseadas em produtos químicos potencialmente prejudiciais para todos nós, por outros de baixos impactos sobre o ambiente e mais propiciadores de produtos garantidamente saudáveis, pode ter um acréscimo de custos que vamos ter que pagar: quando substituo o uso de um herbicida por uma monda ou cava manual, certamente haverá custos de produção acrescidos, que alguém vai ter que pagar.
Teremos portanto, em muitos casos, produções agrícolas com impacto positivo sobre o ambiente e sobre a nossa saúde, mas mais caros, e produtos com diversos níveis de impactos negativos, mas mais baratos. É nesta matéria que, mais que discursos teóricos mais ou menos fundamentados e inflamados que se possam fazer, se devem tomar as decisões. Estaremos dispostos a mudar os nossos padrões de consumo, dando definitivamente prioridade à alimentação saudável, mesmo que isso nos obrigue a pagar mais por ela? Ou ficamos pelo protesto inconsequente?
É que, ao contrário daquilo que vem sendo tradição, é absolutamente justo e necessário que os que trabalham nos campos tenham direito, pelo menos, a viver tão bem como quem está sentado no gabinete com ar condicionado. E também que, ao contrário daquilo que muitos pensam, podemos viver sem televisão ou telemóvel, sem atores de cinema ou jogos de futebol e tantas outras profissões prestigiadas e bem remuneradas, mas não sem agricultores…



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