16h00 - quinta, 26/01/2023

Todos nós e os híper ricos


Fernando Almeida
Quando eu era pequeno, em cada mil crianças nascidas em Portugal morriam logo no primeiro ano de vida mais de setenta, o que constituía um dos piores indicadores de mortalidade infantil da Europa; hoje morrem menos de três crianças por cada mil que nascem e temos dos melhores valores do mundo no que se refere a mortalidade infantil. Mas há evidentemente custos económicos deste sucesso que os serviços de saúde e as famílias são chamados a pagar.
É verdade: ainda antes de nascer já damos despesas aos nossos pais e ao nosso país. Cuida-se mais a alimentação da futura mãe, há consultas médicas, medicamentos e suplementos alimentares, ecografias, análises… Depois vem o parto, com a mobilização de meios materiais e humanos, maternidades, mais análises e outros exames, licenças de maternidade e paternidade, subsídios. Quando o bebé cresce começa a dar despesas escolares. Creches e infantários custam caro e são pagos pelo país ou pelos pais, mas isso é só o início, porque a escolaridade obrigatória é hoje de 12 anos e, portanto, raro é o jovem que não esteja na escola quase até à maioridade. Na verdade, para cerca de metade dos nossos alunos o percurso escolar não termina aqui e ainda andarão a dar despesas de educação, mais uma vez aos pais e ao país, mais alguns anos quando passarem para o ensino pós-secundário.
Só o Estado gasta mais de cem mil euros com cada aluno que estuda até ao nono ano, o que parecendo muito está bem abaixo da média dos países da OCDE. Mas as famílias também gastam muito do que têm (e às vezes o que não têm) para manter os filhos a estudar, porque sabem que a sua formação é talvez a melhor herança que lhes podem deixar. Tanto o Estado como a família sabem bem que o que se gasta na formação dos jovens não é uma despesa, mas antes um investimento.
Há um momento em que o jovem já cresceu e passa a ser adulto. Está na força da vida, possui saúde, recebeu boa formação, é provavelmente criativo e inovador e, quando devia começar a retribuir à sociedade todo o esforço que lhe deve, emigra e vai contribuir para o enriquecimento e desenvolvimento de um qualquer país estrangeiro. Eventualmente, quando se reformar, voltará para, por fim, poder gozar o prazer da vida na sua terra natal. Mas nessa altura será de novo pouco produtivo e mais uma fonte de despesa que uma fonte de riqueza para a comunidade que o viu nascer.
Que andamos a fazer que não conseguimos fixar entre nós os nossos filhos, apesar do nosso estatuto de membro da União Europeia e dos muitos milhares de milhões que constantemente entram no país? No passado não muito distante exportamos vagas infindáveis de portugueses que fugiam à miséria, à fome e à guerra. Muita dessa gente, apesar das suas escassas ou inexistentes letras, era cheia de qualidades, qualidades essas que permitiram a sua adaptação e integração em outros países, com falares desconhecidos, com outros hábitos, outras culturas. Também esses portugueses, não foi por falta de qualidade que tiveram que emigrar, mas antes por viverem num país onde as elites retrógradas esmagam o povo. Hoje "exportamos" gente igualmente capaz, mas com muito mais formação e com um potencial de promover o desenvolvimento e modernidade em qualquer local onde se estabeleça, e mais uma vez lá se vão muitos dos nossos melhores filhos e muito do investimento que neles fizemos.
Ao mesmo tempo que muitos dos nossos emigram, faltam os médicos, os enfermeiros, programadores, professores, e técnicos de toda a ordem nos tribunais, nas conservatórias e um tanto em toda a administração. Por que motivo não tratamos bem os nossos, ou melhor, não tratamos bem quem trabalha ente nós, a ponto de a sangria migratória do século XX se manter sem controlo já bem dentro do século XXI? Pode não ser fácil de perceber, mas esta situação cria um ciclo da pobreza e de falta de desenvolvimento do qual custa a sair: muitos dos melhores, porque mal tratados e mal pagos, emigram e, sem eles, o país não se desenvolve como devia e assim continua pobre e a promover a emigração…
Dirão alguns que faltam recursos, que Portugal é um país pobre. Mas será realmente assim ou os recursos existem, mas simplesmente andam mal distribuídos? No que se refere às receitas do Estado, reparo que muitas das maiores empresas cotadas em bolsa mudaram a sua sede para países como a Irlanda, o Luxemburgo, os Países Baixos ou a Suíça, e é lá que pagam os impostos e, portanto, é lá que entregam a riqueza e promovem desenvolvimento. Outros fogem com capitais para os paraísos fiscais, que como se sabe foram criados e são mantidos precisamente para permitir operações ilícitas de fuga ao fisco e ocultação de rendimentos. Mas há também a má gestão dos dinheiros públicos, com o escândalo dos benefícios fiscais dados a grandes empresas (só aqui vão cerca de 13 mil milhões por ano!), com a vergonha dos tribunais arbitrais que lesam o Estado em somas absurdas todos os anos, com as PPP's ruinosas a sangrar em permanência o Tesouro, com as injeções de capital em bancos aos milhares de milhões, com o esbanjamento em obras inúteis, o serviço de uma dívida muitas vezes contraída sem necessidade… Dinheiro afinal há muito, anda é a servir para enriquecer alguns em vez de servir para desenvolver o país de todos. E Portugal, como bom aluno, segue as instruções dos seus mentores ocidentais, onde se sabe que as fortunas dos híper ricos crescem mais de 1,7 mil milhões de dólares por dia…
Sem as fugas aos impostos e os benefícios fiscais às grandes empresas, sem as despesas desnecessárias e os favorecimentos imorais, sem a ganância cega de alguns e com mais sentido patriótico, haveria dinheiro de sobra para pagar aos nossos jovens e evitar que emigrassem. Com eles por cá seria também garantido não só o aumento de produtividade, como do próprio consumo, e, desse modo, o desenvolvimento da economia e a melhoria da qualidade de vida dos portugueses, criando um ciclo de riqueza e desenvolvimento: quando se trata bem quem trabalha não se fomenta a emigração, desenvolve-se o país e cria-se nova riqueza que permite mais desenvolvimento. Mas a ganância doentia dos mais ricos que entre nós domina os governos asfixia toda a sociedade e não a deixa florescer.



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