15h47 - quinta, 23/03/2023
Democracia capturada
Fernando Almeida
Há quem pense que o poder em muitos Estados onde há eleições, parecendo nascer da vontade dos povos, corresponde efetivamente a formas dissimuladas de controlo pelas elites mundiais cuja face nunca vimos e provavelmente nunca viremos a ver. Há quem pense igualmente que a meia dúzia de famílias que controla os gigantescos, mas discretos grupos financeiros do mundo (organizações como a "Black Rock" e outras, que movimentam mais recursos que qualquer país), com os seu poder de influência e a sua capacidade de corromper os políticos, consegue o controlo indireto de grande parte dos países do mundo. Dizem os defensores destas ideias que o primeiro Estado a ser capturado foi, como seria de imaginar, o do país mais poderoso do planeta, ou seja, os Estados Unidos da América, e a partir desse domínio do Estado americano vão controlando os países que orbitam em seu torno, ou dominam com mais ou menos violência os que lhes tentam resistir. Mas isto devem ser teorias da conspiração
Há quem pense que encontros regulares entre poderosos do mundo da finança e gente da política, como são os do Clube de Bilderberg, são apenas a parte visível de um iceberg gigantesco meio secreto, em que na verdade se traçam os destinos do mundo à revelia dos povos e seus interesses. Dizem mesmo que o controlo dos partidos de poder se faz pela sedução ou corrupção dos seus dirigentes, e que após os serviços prestados às corporações que os comandam, são recompensados com cargos milionários nas administrações das multinacionais financeiras (como a Goldman Sachs) ou recebem outras vantagens raramente conhecidas. E dizem também que, se pelo contrário algum candidato a dirigente de um país onde decorrem eleições se mostra reticente em colaborar com os interesses desses poderes obscuros, rapidamente lhe arranjarão um escândalo inventado para o depreciar ou divulgarão alguma mácula real do seu passado ou caráter. E desse modo, mesmo em democracias, só permitem que chegue ao poder quem lhes é fiel. Mas nada disto deve corresponder à verdade
Quem assim pensa afirma que esses mesmos poderes obscuros sabem que não basta ter os dirigentes dos partidos de poder na mão, porque em democracia é necessário que os povos votem nesses partidos e conduzam ao poder os dirigentes partidários já controlados, o que nem sempre acontece. Por isso, ao que dizem, os poderes que imperam e controlam grande parte do mundo (e que pretendem dominar todo o resto) fazem questão absoluta de controlar a informação que chega aos eleitores, e assim "orientar" as suas escolhas com base nas "verdades", frequentemente muito parciais, difundidas pelas agências noticiosas e replicadas pela comunicação social, das quais são direta ou indiretamente proprietários ou mentores. Dizem também que a maioria das redes sociais elimina utilizadores irreverentes, promove posts que lhes agradam e reduzem a replicação dos que são críticos. E que um exército de especialistas em comunicação, em psicologia coletiva, em imagem, faz o resto. E dizem que assim as gentes acabam geralmente por votar em quem eles querem. Mas tudo isto é certamente um exagero
É com base nestas ideias que os militares de alguns países africanos tomaram ultimamente o poder e que em outros países do mundo nem sequer deixam entrar os agentes desta gente poderosa, sabendo que quase irremediavelmente depois da sua entrada o poder cairá em mãos de políticos que por "trinta moedas de prata" lhes venderão os interesses dos seus povos. Dizem esses militares africanos que a democracia só tem valor se houver honestidade e verdade nos agentes da política, e que não toleram mais governos corruptos que entregam as riquezas aos estrangeiros, mantendo os seus próprios povos na miséria. Dizem também que a democracia parlamentar para eles não tem sentido, porque sabem bem que se por alguma razão os povos votarem em partidos que são contra os interesses dos tais senhores do mundo, inevitavelmente se seguirão campanhas de difamação dos governantes, decretarão sanções económicas para asfixiar o país, inventarão uma qualquer "primavera" instigada por agentes externos para consumar um golpe de Estado, ou promoverão uma invasão baseada em qualquer desculpa que consigam arranjar. Dizem eles que os tais senhores do mundo só respeitam a democracia se não comprometer os seus interesses e que em caso contrário não querem saber da vontade dos povos. Mas possivelmente eles não estão a ver bem o problema
Por tudo isso as democracias à maneira do ocidente vão sendo recusadas por muita gente, e vemos povos a apoiar entusiasticamente golpes militares que derrubam os regimes parlamentares corruptos e vendidos ao estrangeiro que nasceram de eleições, mas que efetivamente não conseguiram tirar os seus povos da miséria. Por isso, em países como o Mali ou o Burkina Faso, herdeiros de poderosos reinos e impérios, o poder não eleito foi saudado na rua pelo povo, ao mesmo tempo que se reclamava a saída dos militares franceses ali estacionados. Numa África com fronteiras desenhadas na Europa com régua e esquadro ao sabor dos caprichos dos europeus, onde os conflitos entre povos têm sido a norma, surge agora um fenómeno diferente e inspirador: os atuais dirigentes do Mali iniciaram conversações com o poder no Burkina Faso e na Guiné (Conacri), no sentido de se unirem eventualmente numa federação de Estados para melhor se defenderem dos poderes externos. Se tal acontecer, e os dirigentes não eleitos conseguirem, como prometem, melhorar a vida dos seus povos e recriar um Estado que honre a herança do seu passado, será mais uma certidão de incapacidade passada aos regimes parlamentares de inspiração ocidental. Esta parece ser uma tendência da África Ocidental, mas é também cada vez mais assim um tanto por todo o mundo: os povos estão a fartar-se de regimes políticos que incluem eleições, mas que acabam por ignorar os reais interesses das suas gentes e, na prática, servem apenas as elites locais e os mesmos "senhores do mundo" seus aliados e corruptores.
E assim se vai degradando a democracia no mundo, democracia que deveria ser um regime harmonioso e belo, com líderes honestos e fiéis servidores dos seus povos, mas que tem sido capturado pelos interesses das grandes corporações mundiais doentiamente sedentas de mais dinheiro e mais poder. Mas, para mim, tudo isto devem ser teorias da conspiração absurdas e sem fundamento
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