11h09 - quinta, 23/11/2023
100º aniversário da viagem aérea Portugal Macau. A viagem
António Martins Quaresma
O extenso percurso entre Vila Nova de Milfontes e Macau foi feito em 24 etapas, em que foram percorridos cerca de 17.000 quilómetros. A autonomia e a velocidade dos aviões dessa época não permitiam um voo direto, sequer etapas muito longas (em termos de viagens aéreas, claro). A mais longa foi de 1.350 kms, entre Bengasi, na Líbia, e o Cairo, no Egipto. A duração da viagem foi condicionada pelas condições atmosféricas e vários contratempos, como avarias e, mesmo, um acidente.
Como antes se disse, a viagem está descrita por Sarmento de Beires, no seu livro De Portugal a Macau, cuja primeira edição se verificou em 1924 e a última em 2018. Do seu relato, foram respigados os dados que se seguem. Atente-se que os nossos heróis sobrevoaram geralmente territórios que, à época, eram dominados, ou influenciados, pelas potências coloniais europeias, em especial a Inglaterra e a França.
O "Pátria" descolou dos Coitos eram seis horas da manhã, com aguaceiros e vento forte de Sudoeste, na direcção de Málaga, em Espanha, onde terminou a sua primeira etapa. Depois, a partir de Túnis, na Tunísia, Manuel Gouveia, que, entretanto, tinha seguido por terra, integrou-se na tripulação. Em Bagdad, a 26 de abril, Pais, Beires e Gouveia encontraram um aviador francês, Peletier Doisy, que num mais moderno avião se encontrava a voar entre Paris e Tóquio e se admirou com as condições em que voavam, nomeadamente utilizando um velho aparelho que, na altura, estava longe de ser tecnologicamente avançado. De facto, os portugueses, não podendo dispor dos meios financeiros e técnicos que os seus colegas europeus e americanos possuíam, lançaram-se na aventura com o avião que lhes fora possível adquirir. Recorde-se que o governo não havia apoiado a viagem e as despesas corriam por conta dos donativos obtidos.
No dia 7 de maio, sucedeu um acidente que pôs em causa a continuação da viagem. Quando sobrevoava o norte da Índia, o avião entrou numa camada atmosférica ardente, rarefeita e agitada, sobre o deserto de Thar, e perdeu altitude, acabando, no meio do turbilhão, por fazer uma aterragem de emergência perto da povoação de Bhudana, em que o "Pátria" sofreu avarias irremediáveis. A solução foi adquirir outro avião para retomar o percurso.
Mais uma vez, foi através de subscrição pública que se angariou dinheiro, em Portugal, para a compra de novo avião. Assim, foi efetivada, na Índia, que a Inglaterra, potência colonizadora, ocupava, a aquisição um aparelho de marca inglesa, um De Haviland, que logo foi batizado de "Pátria II". Com este, foram levadas a cabo as últimas etapas até Macau, cidade que sobrevoaram em 20 de junho, de novo sob temporal, indo aterrar um pouco mais adiante, num cemitério chinês.
Entretanto, através do telégrafo, os aviadores iam recebendo algumas, breves e incompletas, notícias de Portugal. Em maio, um telegrama indiciava o conflito que opunha o governo e a aviação militar, que terminou na destituição de Cifka Duarte, um grande apoiante da viagem, e a sua prisão, assim como de outros oficiais aviadores. Estes seriam soltos, em junho, após as notícias do êxito da expedição a Macau e com a queda do governo.
Em Macau, os aviadores foram recebidos de forma festiva. Visitaram depois várias cidades chinesas Hong-Kong, Cantão, Xangai , antes de iniciarem a viagem de regresso, por via marítima, em que se encontraram com comunidades portuguesas na América do Norte. O seu retorno a Portugal e a receção que tiveram, em particular a festa realizada em Vila Nova de Milfontes, será o tema da próxima crónica.
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