15h40 - quinta, 19/12/2024
Ainda a Educação!
Fernando Almeida
Sei que os homens, com o passar dos anos, se tornam frequentemente pessimistas e têm tendência a ver o futuro pintado de cores escuras, mas também sei que, como dizem os franceses, "os homens são como os vinhos: o tempo aos bons refina, mas aos maus azeda". Sei que é assim por experiência, e se me rendo à lucidez e sagacidade de alguns mais velhos que eu, também reconheço que muitos outros são sistematicamente pessimistas e desconfiam de tudo o que seja novidade, mesmo que seja a mais útil e interessante das inovações. Como também se sabe, é habitual as gerações mais velhas criticarem as mais novas, desqualificando-as e vaticinando um futuro caótico para o mundo como consequência das características negativas dos jovens, e esse aspeto do conflito de gerações deve ser antigo como o mundo. Eu já não sou novo, mas gosto de manter a esperança nos jovens, na tecnologia que nos traz novidades e que muda a nossa forma de viver e, afinal, no futuro. Mas há coisas que
Como se percebe, não querendo cometer o erro de ver tudo negro apenas por o mundo estar a mudar e cada vez se tornar mais distante daquele que conheci na juventude, também não quero cometer o erro de ser incapaz de ver tudo o que estamos a fazer de errado e que pode comprometer o nosso futuro coletivo. E garanto-vos que não é fácil deixar de lado todo o preconceito que resulta de já ter nascido pouco depois de meados do século passado, tempo que não havia telemóveis e os computadores eram coisas raras de que se ouvia falar vagamente e em que a universidade por cá era apenas para uma elite dos filhos das famílias com algumas posses, e olhar para o mundo de hoje, em particular para a escola, de forma rigorosa e objetiva. É esse exercício que vou tentar fazer hoje convosco nestas poucas linhas que tenho para usar.
Para ser muito sintético e objetivo, começo pela pergunta fundamental: para que serve a escola? Penso que fora outras valências que lhe possamos atribuir, como seja manter os jovens ocupados e em segurança enquanto os pais trabalham, ou doutrina-los para aceitar um determinado tipo de sociedade que se pretende que exista, a escola serve para qualificar os jovens para que venham a poder ser úteis à sociedade em que vivem. Para isso é suposto que adquiram um conjunto de conhecimentos e competências que os ajudem num mundo futuro, de características ainda incertas e na verdade difíceis de prever. Mas parece evidente que, embora o futuro seja incerto, não teremos uma reedição do mundo que os mais velhos conheceram na sua mocidade, mundo em que se apreendia na escola, sobretudo, informação, coisa que naquele tempo era um bem raro, precioso e de difícil acesso.
É claro que aquilo que nós, mais velhos, aprendemos noutros tempos era um saber mais ou menos enciclopédico que em boa medida diferenciava os que tinham estudado dos demais. Por isso não gostamos que os alunos de hoje desconheçam os factos que nós aprendemos e nos faziam diferentes do vulgo, e temos tendência a continuar a defender o modelo de ensino que nos moldou e deu prestígio. Naquele tempo, cada aluno era como que um recipiente mais ou menos vazio que a escola ia enchendo de "saberes" vários e, em função do nível dos conhecimentos acumulados, assim ia transitando de ano.
Mas na verdade, o mundo já mudou muito e vai inevitavelmente continuar a mudar cada vez mais depressa. Sendo assim, o que deve a escola fornecer hoje aos alunos para que eles possam ter sucesso num mundo bem diferente do que temos conhecido, onde as máquinas substituem garantidamente muito do trabalho manual, em que a inteligência artificial destruirá empregos, mas onde se criarão novas oportunidades de trabalho e novos modos de vida?
Tanto quanto se pode tentar adivinhar hoje, há algumas coisas que a escola deve oferecer aos nossos alunos para que melhor possam enfrentar o futuro. Sabemos que como a mudança do mundo e da vida tem sido e continuará a ser de velocidade sempre crescente, quem souber pensar, quem possuir um espírito crítico, agilidade e sagacidade de pensamento, quem for capaz de, como se diz atualmente, "pensar fora da caixa", terá sempre vantagem sobre os demais. E estas características, parece-me, seja qual for a volta e o rumo que o mundo venha a levar nas próximas dezenas de anos, darão sempre vantagem a quem as possuir.
No entanto, isto não significa que todo o conhecimento em si se tenha tornado inútil e desinteressante, antes pelo contrário. Se é verdade que já não faz sentido saber o nome das estações e apeadeiros da linha de caminho-de-ferro de Goa (coisa que tive de aprender na minha infância), sendo até ridículo continuar a tentar que os alunos aprendam matérias desse tipo, não é menos verdade que alguns conhecimentos das mais diversas disciplinas são essenciais para criar um quadro mental que permita adquirir e enquadrar a imensa informação que hoje está disponível para todos. Por isso, é, penso eu, necessário fornecer um corpo de conhecimentos fundamentais que permitam, mais tarde, mesmo ao longo da vida, encontrar a informação que a cada momento faça falta, e não, como antes, acumular em cada aluno "pilhas de informação" que em grande parte nunca virão a ser necessárias à vida real das pessoas.
E esse tem sido afinal o caminho que, em parte, a medo e de forma demasiado lenta, o Ministério da Educação tem traçado para o que se deve aprender nas diversas disciplinas dos ensinos básico e secundário. No geral, deve-se aplaudir essas alterações que, genericamente, apontam para a substituição de conhecimentos de utilidade duvidosa por competências que inevitavelmente farão falta aos jovens no seu futuro. Deixo assim a advertência aos pais e educadores no geral que, por inércia e alguma falta de visão, tentam a todo o custo manter a escola de hoje, igual à escola de ontem: percebam que o mundo mudou, que vai mudar ainda muito mais nos próximos anos e que se a escola não acompanhar essa mudança fica condenada ao fracasso, e com ela os nossos alunos.
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