15h58 - quinta, 15/07/2021
Energia nossa de cada dia!
Fernando Almeida
Não valerá a pena descrever detalhadamente o uso que o ser humano fez da energia desde que aprendeu a usar o fogo para se aquecer, cozinhar e caçar, para perceber a sua importância para o desenvolvimento civilizacional. Sabemos que depois do domínio do fogo, o Homem aprendeu a usar em seu benefício a energia dos animais que domesticou, em lavouras, transportes e carregos, ao mesmo tempo que ia usando energias como a do vento e das águas correntes. Um dia descobriu que podia aproveitar a energia química contida nos combustíveis para produzir calor e assim obter energia mecânica, e foi desenvolvendo motores de vários tipos. Mais recentemente conheceu a eletricidade, que aprendeu a produzir de diversas formas e à qual deu múltiplas utilizações. Parece claro que cada vez que o Homem aprende a usar em seu benefício uma nova forma de energia dá um salto tecnológico e civilizacional com impactos necessariamente positivos e negativos, já que introduz novas e diferentes formas de produzir e viver.
O nosso mundo atual é dominado pelo uso da energia, em particular a elétrica, às vezes de forma exagerada e com enormes desperdícios, mas é evidente que tudo parava sem ela. Portanto, a menos que alguém queira regressar às cavernas primordiais e recusar todos os benefícios da tecnologia e da civilização, não é sequer possível pensar em viver sem energia elétrica. Mas sabemos também que as formas tradicionais de produção da eletricidade são absolutamente insustentáveis. Sabemos, e penso que nos dias atuais já ninguém tem dúvidas, que há alterações climáticas cada vez mais graves, e que manter a utilização de combustíveis fósseis conforme temos feito seria uma atitude de suicídio coletivo para a espécie humana, mas também de destruição e caos generalizado de toda a vida que conhecemos no planeta. E também julgo que ninguém sensato e equilibrado quer ter uma central nuclear à porta
Não será portanto necessário ser portador de grande inteligência e sabedoria para perceber que se não queremos voltar às cavernas e não queremos avançar rumo à destruição do planeta, só nos resta a possibilidade de produzir energia de forma a não injetar mais carbono na atmosfera, ou seja, produzir energia a partir das fontes renováveis, como o sol, o vento, a água que corre ou se agita, o calor da própria Terra ou a biomassa. Parece-me que isto é pacífico para qualquer ser pensante de boa-fé. Mas aqui começam novos problemas nascidos agora da falta de bom senso e equilíbrio, mas também de preconceitos estéticos, e de uma certa forma de egoísmo que aceita e recomenda as tecnologias limpas, desde que fiquem longe da vista. Vejamos
Em relação à energia das águas que correm nos nossos rios, dizem alguns que não se devem aproveitar, porque precisamos de "rios livres", sem barragens, portanto na visão mais radical não poderiam ser usados para produção ou gestão de energia. E estaremos todos de acordo com o facto de ser necessário não interromper a circulação da vida nos rios, e ainda menos de usar as barragens para cortar completamente o seu caudal.
Em relação ao vento e aos geradores eólicos dizem alguns que o seu som perturba animais e pessoas, que as pás podem atingir aves em voo, e que destroem a paisagem, e os primeiros argumentos são efetivamente efeitos reais e atributos negativos dos aerogeradores, e isso parece-me que deve ser tido em conta.
No que respeita ao uso da biomassa florestal alega-se que produzir eletricidade com base em resíduos florestais é negativo, porque esses resíduos são carbono que deveria ficar sequestrado no solo para reduzir os efeitos do aquecimento global, para proteger o solo e sua fertilidade, para melhorar a absorção e retenção da água
E eu concordo com tudo isso.
Sabe-se que a tecnologia de aproveitamento das ondas e das marés, embora promissora e com potencial, é de difícil aplicação prática (e ainda de mais difícil manutenção), tanto pela violência das tempestades, como pelo efeito corrosivo do sal sobre muitos materiais. É portanto tecnologia a melhorar, mas infelizmente, por enquanto, não nos resolve o problema. Em relação à energia geotérmica sabemos que a sua captação está limitada a alguns poucos locais do planeta em que o calor do interior da Terra está mais próximo da superfície, e portanto com os conhecimentos e tecnologias atuais pode apenas dar um contributo modesto e localizado para as nossas necessidades.
Falta falar da energia solar, muito abundante entre nós, mas da qual se diz que ocupa território, e que a terra onde se instalam os painéis solares poderia dar pão, que podem prejudicar a paisagem e o turismo, e por via disso a economia local. Conta por isso com uma oposição feroz por parte de muitos. E reconheço que as centrais solares devem ser instaladas onde não ocupem os melhores solos agrícolas (mas em relação à estética acho que não passa de um preconceito temporário pouco relevante).
Sendo assim, parece lógico que temos que produzir energia elétrica minimizando os impactos negativos dessa produção: precisamos de barragens (sobretudo para conseguir uma gestão eficaz da rede elétrica), mas teremos que manter caudais ecológicos e canais alternativos para dar continuidade aos rios; precisamos de geradores eólicos, mas temos que os localizar em áreas desabitadas e usar radares para prevenir acidentes graves com a fauna que voa (como se faz em outros países); podemos usar a energia geotérmica e das ondas quando e onde nos for possível, mas sabemos que não darão grande contributo para a nossa vida; podemos também usar alguma biomassa florestal recolhida em situações em que constitua um elevado risco de incêndio na gestão florestal. Parece-me sobretudo importante perceber que a energia solar acaba por ser a que menores impactos negativos tem, e que entre nós tem maior potencial para servir de base da produção energética da maior parte do ano. Mas evidentemente que as centrais devem respeitar o potencial agrícola dos melhores solos, e a limpeza de erva e matos deve ser feita sem recurso a químicos tóxicos, usando antes o pastoreio de ovelhas, como de resto se recomenda geralmente.
Com tudo isto, custa-me a compreender o radicalismo irracional das pessoas que não estão disponíveis de modo nenhum para deixar as comodidades do século XXI, e portanto não prescindem do telemóvel, computador, máquinas de lavar, iluminação, aquecimento, e tudo o mais em que usam a eletricidade, mas não querem que ela seja produzida seja de que forma for. Ou se calhar é apenas uma questão de egoísmo dos que não se importam e até apreciam os painéis solares, desde que seja no quintal do vizinho, e não no seu
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