16h25 - quinta, 25/11/2021
Cimeiras, para que vos quero
Fernando Almeida
Toda a degradação do planeta e dos seus recursos é preocupante, mas a alteração da composição da atmosfera tem consequências em cascata que garantidamente são verdadeiramente assustadoras: leva à ampliação do efeito de estufa e este ao aquecimento da atmosfera, dos continentes e dos oceanos; provoca mudanças nos climas, antes, sobretudo estáveis e previsíveis, e agora instáveis e dados a fenómenos meteorológicos extremos; conduz à fusão de gelos polares e dos glaciares de montanha, e daí à subida do nível do mar; e tudo isso provoca o caos nos habitats marinhos e terrestres com a extinção em massa de espécies vegetais e animais
Não se tem falado de outras consequências previsíveis, mas que afetarão muito diretamente a nossa espécie e as nossas sociedades: a instabilidade climática, os extremos de tempestades, vagas de calor e de frio, de seca e cheia podem conduzir no futuro a crises agrícolas e à carência de bens alimentares. E em casa onde não há pão
Os dirigentes do mundo, embora saibam de tudo isto há dezenas de anos, vão adiando as decisões, mais preocupados com as eleições seguintes, com o seu sucesso pessoal ou com os interesses de alguns grupos económicos, que com o futuro dos seus próprios povos, da humanidade no geral e da própria vida no planeta. As conferências, cimeiras, reuniões de alto e baixo nível sobre o estado do ambiente e sobre o clima sucedem-se e falam-nos delas na televisão entre os golos do Ronaldo e as intrigas políticas menores da nossa terra. E nós, embalados por esse tratamento leviano, achamos que a coisa não é certamente muito grave. Assim nos enganam e, neste capítulo, a comunicação social, mais preocupada em captar audiências e conseguir vendas que em dar informação rigorosa e proporcional à real importância dos factos, tem culpas sérias.
E lá veio mais uma conferência neste outono. Foi a COP26 ("Conference of the Parties", em inglês), desta vez na Escócia. Mas curiosamente a mais numerosa delegação presente em Glasgow nesta "COP26" não foi de nenhum país, grande ou pequeno, rico ou pobre, muito ou pouco preocupado com as alterações climáticas. Não, a maior delegação presente na cimeira foi a dos "lobbies" dos combustíveis fósseis. Foram mais de 500 os agentes das grandes corporações do carvão, do petróleo e do gás, por certo pagos a peso de ouro, e também seguramente mandatados para pagar a peso de ouro os dirigentes políticos que conseguissem convencer (leia-se "comprar" ou "corromper"). E só a sua presença em força na cidade permite perceber que o seu "trabalho" de "convencer" (mais uma vez, leia-se "comprar" ou "corromper") os decisores mundiais dá frutos. Se os políticos presentes na cimeira fossem incorruptiveis como deviam e não cedessem senão aos interesses dos seus povos, não valeria a pena aos "lobbistas" deslocarem-se à Escócia. Mas eles foram para lá e em peso
E é por estas e por outras parecidas que as cimeiras se sucedem sem resultados que se vejam: muito folclore, mas de obrigações quantificadas, verificáveis e sancionáveis nada. Portanto, conversa fiada para enganar parolos, que é o que eles nos consideram a todos. Mas como o insucesso tem que ter culpados, já que a culpa nunca pode morrer solteira, então culpa-se do insucesso os outros, os "inimigos" ou aqueles a quem o ocidente ainda não conseguiu deitar o dente eficazmente. Vai daí a culpa é dos chineses ou dos indianos ou dos russos ou seja lá de quem for.
Vêm por exemplo dizer-nos que a China é o maior emissor de dióxido de carbono (CO2) do mundo, o que é efetivamente verdade, mas esquecem-se de nos dizer que a China é também o país mais populoso do mundo. Evidentemente que ainda que as suas emissões de CO2 por habitante fossem pequenas, um país que tem mais de 1.400 milhões de habitantes e que a sua superfície é mais do dobro da área da União Europeia (UE) teria naturalmente grande volume de emissões. Por isso, se calcularmos as emissões por habitante, veremos que estão abaixo das emissões verificadas dentro da UE. E se o cálculo for por área em que ocorrem, então terão menos de metade da concentração de emissões por km2.
A senha em relação à China complementa-se com igual perseguição à Índia, país que tem mais de 1.300 milhões de pessoas e uma muito baixa emissão de carbono por pessoa. Enquanto as emissões da Índia são de 2,5 quilos de CO2 (ou equivalente) e as da China são de 9 quilos, nos Estados Unidos da América (EUA) as emissões continuam a ser brutais: quase 20 quilos de CO2 (ou equivalente) por pessoa. No entanto para a nossa comunicação social, sempre preocupada em branquear os nossos erros e agravar os erros dos outros, os "maus da fita" são os chineses e os indianos.
Feitas as contas, cada um de nós, os ocidentais "bonzinhos" (EUA e UE), envia para a atmosfera em média mais de 14 quilos de dióxido de carbono (ou equivalente) por ano; por outro lado, os "vilões do oriente" (chineses e indianos) enviam para a atmosfera menos de seis quilos de dióxido de carbono (ou equivalente) por ano/pessoa. Ainda assim, acabada a Cimeira de Glasgow tentamos passar a imagem que os países do ocidente se esforçam, mas que os outros nem por isso
Resta-nos ter esperança que a COP27 venha a ter mais utilidade prática que a COP26.
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