15h49 - quinta, 08/02/2024
Os poderes invisíveis
Fernando Almeida
Quando no outono passado se percebeu que o governo se estava a preparar para aumentar o Imposto Único de Circulação (IUC) para os automóveis mais antigos, estranhei. Parecia-me pouco lógico e por isso era difícil de compreender a real motivação dos governantes. Por um lado, as receitas para o Orçamento de Estado seriam apenas de 450 milhões de euros, distribuídos por três anos, o que parecia insuficiente para justificar medida tão impopular e tão claramente injusta. Injusta porque e isto toda a gente reparou ia buscar impostos aos que mais dificuldades têm, já que é evidente que, em geral, só tem um carro velho quem não tem dinheiro para um novo. Assim, promover um tão grande aumento no IUC, afetando precisamente os que mais precisavam de proteção fiscal, era um contrassenso, ainda mais num governo do Partido Socialista, que costuma propagandear as suas preocupações com os mais fracos, a justiça social e fiscal, etc.. Além disto estranhei o momento em que se propunha tal medida. Estava-se numa fase difícil para o Governo, com "os casos e os casinhos" constantes, com ataques diários na comunicação social relacionados com a saúde, os médicos, os hospitais e as urgências
Tudo o que o Governo não precisava era de deitar mais lenha para a fogueira da impopularidade e dar mais argumentos aos seus adversários políticos. E por tudo isso, que me parecia estranho, suspeitei que deveria haver qualquer outra causa para essa proposta de aumento do tal imposto, mas nesse momento não consegui perceber qual a real motivação do Governo.
A coisa passou, tanto mais que o Governo caiu, e na expectativa de eleições antecipadas voltou atrás com a subida do Imposto de Circulação dos carros mais antigos. Passou-se o tempo, vieram novos "casos e casinhos", com a Procuradora Geral da República, com os congressos e convenções dos partidos, passou muita água debaixo das pontes e eu quase me esqueci da tal proposta estranha que constava no Orçamento de Estado para o atual ano fiscal e que previa o malfadado aumento do IUC para os automóveis anteriores a 2007.
Mas quando ouvi que a Comissão Europeia da senhora Ursula Von der Leyen estava a estudar uma proposta para que a reparação de automóveis com 15 ou mais anos fosse proibida em certas situações, ou se fosse declarado como estando em "fim de vida útil", voltei a lembrar-me do IUC. É claro que o argumento para preparar uma medida deste tipo é, como sempre, "muito nobre": é a descarbonização do ambiente, é o aquecimento global, são as alterações climáticas, afinal, o bem-estar de todos nós. E é sempre enternecedor ver como a presidente da Comissão Europeia se reocupa connosco, gente anónima, e ainda mais com os portugueses, gente de um país pequeno, marginal e pobre da União Europeia
Mas nós podemos ser gente anónima de um país pobre, pequeno e marginal da União Europeia, mas não somos parvos
Sabemos que se realmente existisse alguma preocupação genuína com as emissões de carbono para a atmosfera e com as alterações climáticas, taxavam ou proibiam os veículos de turismo de maior cilindrada e maior potência, que, evidentemente, enviam mais dióxido de carbono para a atmosfera, independentemente do ano de fabrico. Por outro lado, podiam financiar os que têm mais dificuldades na compra de automóveis mais "amigos do ambiente" (afinal há dinheiro a rodos, pelo menos para dar aos bancos e mandar para a Ucrânia) e cortariam nas suas próprias viagens aéreas (a começar pelas viagens das elites europeias), porque a aviação comercial tem grandes responsabilidades nas alterações climáticas
Não sou grande matemático, mas vejo que, feitas as contas, se tirarmos os 15 anos referidos pela presidente da Comissão Europeia a 2023, vamos parar mais ou menos a 2007, data a partir da qual o "Governo Costa" queria começar a penalizar os automóveis velhos
Dá para pensar que as duas coisas devem estar relacionadas. Calculo assim que os que mandam nos políticos que nos governam devem achar que há necessidade de estimular as vendas de automóveis novos e, por isso, vão articulando "estrangeirinhas" para levar a água ao seu moinho.
Agora vem a Comissão dar o dito pelo não dito, dizer que foi tudo mal percebido, que não é nada disso, que afinal apenas se abate o automóvel velho ser não tiver mais reparação possível (como se não tivesse sido sempre assim)
Parece-me conversa de quem "atirou o barro à parede a ver se pegava", mas viu os povos indignados e revoltados e preferiu, para já, não avançar muito. Mas esta gente que agora nos governa e anda a soldo dos grandes interesses internacionais vai ensaiando sempre novas formas de nos tornar mais pobres, de emagrecer a classe média que em tempos foi o orgulho da Europa.
Enquanto isso, cria condições para que as grandes fortunas do mundo, as que se contam em milhões de milhões de dólares, engordem cada vez mais. Em Davos, no Fórum Económico Mundial isso ficou claro. Nos últimos três anos, os cinco homens mais ricos do mundo duplicaram a sua riqueza, mas cinco mil milhões de pessoas do mundo ficaram mais pobres. É a isto que eles chamam progresso!
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