14h59 - quinta, 09/03/2023

A Ilha (I)


António Martins Quaresma
Há sempre uma "ilha deserta" no imaginário do "paraíso perdido", um tema tão presente na literatura, no cinema e na propaganda turística. Ela pode ser um lugar maravilhoso e alternativo, propício à evasão de um mundo cada vez mais hostil. Um lugar onde o sujeito se encontra consigo próprio, ou com o amor, embora possa não ser isento de riscos. Para um náufrago, acontece surgir como salvação da vida, mas também como o início de um período de incertezas e aventuras. Enquanto ilha, simplesmente, pode ainda ser (não)-lugar de Utopia, como a que foi escolhida por Thomas More, em tempo do Renascimento.
Quantos adolescentes não se imaginaram já numa ilha deserta, quais Robinson Crusoé, saído da pena de Daniel Defoe, ou como os jovens heróis que Júlio Verne fez passar dois anos de aventurosas férias noutra?
Porém, a ilha a que vou adiante dedicar algumas linhas é apenas uma ilhota, onde qualquer retiro em busca da felicidade ou, pelo menos, de contacto com a natureza, é quase inexequível, mas que contém uma grande quantidade de vestígios materiais e memórias susceptíveis de gerar o interesse de qualquer um. E, sob a superfície do mar, existe um mundo fascinante, apenas conhecido por quem se dedica ao mergulho: em Porto Covo, a Ecoalga, de Joaquim Parrinha, tem-nos proporcionado algumas fotografias desse universo.
A Ilha do Pessegueiro é um rochedo arenítico, de ca. 340 metros de comprimento e um pouco menos de largura máxima. Fica junto à costa de Porto Covo, no concelho de Sines, em pleno Litoral Alentejano. Enquanto elemento geológico, testemunha um longínquo passado em que o mar se encontrava longe da actual linha de costa e algumas das dunas se converteram em rocha pela precipitação do carbonato de cálcio contido nos sedimentos que as compunham. Erodida pela continuada batida do mar, a sua dimensão tem vindo a diminuir e assim há de continuar.
É uma ilhota, é verdade, mas suficientemente importante para ter desempenhado um papel histórico significativo neste pedaço de costa. A sua massa forma com a costa fronteira um canal abrigado da ondulação e de ventos, desde que não se trate dos temporais de sudoeste, frequentes no inverno, que então não é lugar para qualquer embarcação. Mas, enquanto sítio protegido, sempre foi utilizado pela navegação que se fazia ao longo da costa e pelos pescadores, quando era caso disso.
Perscrutando a sua superfície de sul para norte, vemos, em primeiro lugar, os vestígios arqueológicos que imediatamente identificamos como tanques de salga da época romana. Com efeito, a ilha foi frequentada por gente desde a Idade do Ferro (séculos III-I a.C.), sobre cujos restos foram edificadas as estruturas romanas (séculos I-IV d. C.). Como porto romano, o seu comércio baseava-se nos recursos pesqueiros, preparados industrialmente – salga e molhos – que eram transportados para outros lugares do Império. No entanto, a ocupação da ilha sempre terá sido sazonal, e ela manteve-se dependente do continente.
O nome da ilha – Pessegueiro – remontará a esse período. Com efeito, esta palavra nada tem a ver com o nome da árvore de fruto assim designada, mas virá do latim piscarium ou piscarius, que significa "peixe", memória dessa antiga função, tal como, por exemplo, a palavra muito parecida "pesqueiro".
Sabemos que na Idade Média continuou a ser uma referência na costa sudoeste. Em 1190, a bordo de um navio da armada comandada pelo rei inglês Ricardo "Coração de Leão", que ia à Terra Santa, no contexto da Terceira Cruzada, encontrava-se o cronista Rogério de Houedene, que anotou o nome da ilha quando por ela passou, decerto informado por um piloto português.
As informações mais numerosas que as fontes históricas nos prestam remetem-nos para a segunda metade do século XVI. Tinha-se então tornado um sítio frequentado pelos corsários do Norte de África, que corriam a costa portuguesa, em busca de presa. Em tempo do rei D. Sebastião, o perigo tinha-se tornado tão grande, que o capitão-mor de Ordenanças da vila de Sines, Pero Dias Parrado, mandou deslocar para a costa em frente da ilha algumas peças de artilharia, com que desbaratou várias galés corsárias que aí tinham vindo fazer aguada.
Iniciado o período filipino, foi elaborado o ambicioso projecto de um porto oceânico, com componente pesqueira (armações de atum e sardinha), bem assim a promoção do povoamento do local, por forma a criar uma "vila ou cidade". Basicamente, estava prevista a construção de um molhe entre a ponta norte da ilha e o Penedo do Cavalo, rochedo a cerca de 150 m de distância, prologando, deste modo, o efeito protetor da ilha.
Em 1588, foi dado início à obra, sob a direcção do engenheiro italiano Filipe Terzi, mas, havendo guerra entre a Espanha e a Inglaterra, os trabalhos foram prejudicados por corsários ingleses, que atacaram o estaleiro. O mesmo engenheiro chegou a projetar um forte em terra, que não foi edificado.
Dois anos depois, em 1590, Terzi é substituído por outro engenheiro italiano (de Florença), Alexandre Massai. Este continuou a obra do porto e construiu um fortim na ilha e uma bateria em terra, para melhorar a defesa. No entanto, tendo em conta a avultada despesa e os escassos resultados obtidos, o projeto foi abandonado em 1603, por ordem da instância superior.
Sobre a Ilha do Pessegueiro e a costa vizinha, muito mais há a dizer, mas isso ficará para a próxima crónica.



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