16h48 - quinta, 07/03/2024
Para onde vai o nosso dinheiro?
Fernando Almeida
A desculpa primeiro foi a crise do imobiliário, depois veio "o Covid", em seguida a guerra da Ucrânia e a inflação, agora deve ser a insegurança no Mar Vermelho e os custos da viagem pela rota do Cabo, depois pode vir qualquer outra coisa, como a "energia verde" ou os preços do petróleo, ou mesmo os investimentos "tão necessários" no armamento
Vai haver sempre uma boa razão para a subida de preços e para canalizar para os "grandes" os poucos recursos dos "pequenos".
Os cinco maiores bancos portugueses tinham registado lucros de quase três mil e trezentos milhões de euros nos primeiros nove meses de 2023, o que permite admitir como muito provável que os seus lucros no final do ano tenham rondado os quatro mil e quatrocentos milhões de euros. Enquanto isto, as pequenas e médias empresas debatem-se com as dificuldades resultantes dos custos do dinheiro, da redução de encomendas e dos aumentos nos preços do fatores de produção. Por outro lado, as famílias que contraíram créditos para compra de habitação própria sentem a corda apertar cada vez mais a garganta, numa asfixia lenta e aflitiva.
A GALP teve no ano passado mais de mil milhões de euros de lucro, enquanto as nossas empresas e pessoas lutam para sobreviver pagando os combustíveis a preços altíssimos. A EDP deve ter tido lucros na ordem dos mil e quatrocentos milhões de euros, mas os velhos enregelam em casa sem poder ligar o aquecimento e muitas empresas olham para a fatura da eletricidade com pavor. Os produtos base da alimentação são mais caros em Portugal que em países como a Bélgica e outros onde os salários são bem mais altos. A grande distribuição e as grandes superfícies têm lucros milionários. Os lucros das empresas de comunicações são também escandalosos e de uma forma ou de outra todos nós temos que os pagar. Este foi também mais um ano em que as PPP rodoviárias renderam, ao que dizem, mais mil milhões de lucro. E se todos nós pagamos estes lucros milionários, vemos ficar por cobrar aos "grandes" mais uns quantos milhares de milhões em benefícios fiscais.
Mais uma vez, os que trabalham, sejam pequenos empresários ou assalariados, alimentam a usura das grandes empresas e veêm os seus projetos comprometidos pela ganância dos grandes grupos nacionais e sobretudo internacionais. Muitas das empresas que realmente produzem alguma coisa para consumo dos portugueses ou para exportar estão fracas e descapitalizadas, e só encontram nos salários baixos a hipótese de reduzir os custos e conseguir concorrer no mercado: os combustíveis são caros, o crédito é caro, a eletricidade é cara, os seguros e as comunicações também
poupa-se nos salários.
Os jovens desistem de tentar comprar casa por cá, porque os preços são europeus, mas o crédito é caro e os salários são portugueses. Fartam-se dos tempos de trabalho demasiado longos a coberto da "isenção de horário" e parte deles emigra. Como no passado, partem para qualquer país onde as pessoas que trabalham ainda sejam respeitadas e onde possam pensar em ter uma vida mais digna e dar melhor futuro aos seus filhos. Por outro lado, "importamos" de países mais pobres trabalhadores baratos que, vezes demais, se sujeitam a condições de vida degradantes para tentar, também eles, dar melhor futuro aos filhos.
Alguns observadores menos atentos imaginam que, como em outros tempos, a relação entre empregados e empregadores corresponde à "luta de classes" dos séculos passados. Julgam que ainda faz sentido falar de um conflito entre os pequenos e médios empresários e os trabalhadores que eles empregam. Mas o mundo mudou. É verdade que os conflitos tradicionais não se extinguiram, mas não são eles os responsáveis pelo desequilíbrio das sociedades ocidentais contemporâneas, onde a produtividade cria cada vez mais riqueza, mas onde de dia para dia se agrava o fosso entre os poucos muito ricos e os muitos cada vez mais pobres. Há conflitos entre "patrões e trabalhadores" como os há entre trabalhadores com funções diferentes ou até colegas de profissão. Mas quem subtrai o grosso dos recursos ao processo produtivo e à sociedade não são os "pequenos patrões", mesmo que consigam um nível de vida superior ao dos seus empregados. Na verdade, muito dos atuais pequenos empresários são pelo menos tão trabalhadores como os trabalhadores a quem dão emprego e, por isso mesmo, merecem ser mais compensados pelo esforço, pela iniciativa e pelo risco que assumem. Mas geralmente não são estes que retiram indevidamente riqueza à economia e criam sociedades desequilibradas.
Quem retira a riqueza aos que se esforçam e trabalham todos os dias, sejam empresários sejam os seus trabalhadores, são sobretudo os donos dos grandes grupos que, com a ajuda dos Estados, obtêm privilégios imorais, contratos milionários e vantagens inconfessáveis. São eles, os acionistas dos fundos de investimento que possuem mais riqueza que a maioria dos Estados, gente cujos nomes geralmente desconhecemos, quem fica com o grosso dos recursos de povos inteiros. São eles que, pagando as campanhas aos partidos, oferecendo cargos milionários aos políticos que os serviram ou corrompendo-os diretamente ainda no ativo, manobram na sombra os governos.
São estes, os que querem ser donos de todo o mundo e para isso fazem guerras que só a eles servem, quem realmente se torna a cada dia que passa o adversário sério dos povos do mundo. Enquanto não percebermos isto, enquanto continuarmos a pensar que os povos são inimigos uns dos outros ou que os que trabalham como assalariados são inimigos dos que trabalham como empresários, continuaremos a ser manobrados e a perder, todos nós, direitos e qualidade de vida.
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