17h26 - quinta, 06/09/2018

O Interior no exterior


Hélder Guerreiro
Escrever sobre o "desenvolvimento do interior" é algo que merece, desde logo, uma declaração de interesse da minha parte. Não acredito numa discussão nacional que se foque no desenvolvimento territorial como uma espécie de confronto comparativo entre territórios que, no âmbito desta tese, ficam mais próximos ou mais distantes do mar. Tenho esta opinião por várias razões.
A primeira é que este tipo de posicionamento tem tendência a acentuar o discurso do fatalismo, o que não nos deixa olhar para as possibilidades que temos. A segunda é que, tendo por base essa mesma teoria, existem muitos interiores no litoral e alguns litorais no interior.
O que importa, no fundo, é que exista liberdade, qualidade de vida, equidade e oportunidades para todos. Não importa, portanto, que sejamos muitos ou poucos nem se vivemos perto ou longe do mar…
Assim, na minha opinião, temos que ser capazes de desmontar este pré-posicionamento e olharmos apenas para o desenvolvimento territorial, pois cada território tem os seus recursos, as suas oportunidades e as suas dinâmicas. Sobre a questão das dinâmicas não tenho dúvidas que o poder local e/ou forma como ele é exercido tem forte influencia sobre se um concelho é do tal "interior" ou do tal "litoral".
É verdade que existem problemas transversais como o despovoamento, o envelhecimento e as dificuldades no acesso das pessoas aos serviços públicos que, aparentam ser, características de um certo tipo de territórios de baixa densidade demográfica como é o nosso Baixo Alentejo. Ainda assim, importa perguntarmo-nos se estes problemas são "apenas" mais evidentes nestes territórios e que não deixam de estar presentes em todos os diferentes territórios?
Hoje, o Alentejo em geral está confrontado com um problema de oferta de empregos que não consegue satisfazer pois não existe mão-de-obra disponível no território em quantidade e/ou com as competências necessárias.
Este problema está associado a décadas de perda de população ativa no Alentejo (o Baixo Alentejo perdeu mais de 100.000 pessoas desde 1960) e que agora, face a um aumento de solicitações por parte de novos investimentos, não consegue responder pois não tem mesmo como!
Outra das razões para uma dificuldade de resposta reside nos extremos da procura de mão-de-obra. Na agricultura são solicitadas pessoas, menos qualificadas, mas em quantidades que não existem e, na mesma agricultura, são solicitadas pessoas altamente qualificadas que existem em quantidade insuficiente ainda que os nossos politécnicos tenham formado muitos dos técnicos agrícolas que trabalham nesta nova agricultura um pouco por todo o Alentejo. A principal dificuldade reside na oferta de empregos nas novas áreas do Alentejo como a Aeronáutica, a Energia e a Defesa onde não temos pessoas com as qualificações adequadas a boa parte dos processos e onde temos muitas dificuldades territoriais na atracção desses recursos humanos que são objeto de disputa por todos os territórios do mundo.
Para ganharmos esse jogo temos que construir um conjunto de politicas integradas, com o apoio das empresas que se estão a instalar, no sentido de criarmos condições favoráveis à vinda destes talentos para o Alentejo. Politicas de habitação, politicas de promoção cultural, desportivas e educativas de elevada qualidade são um dos fatores determinantes nas escolhas que essas famílias vão fazer. Paralelamente, temos que criar as condições para que o acesso a outros centros urbanos e aos serviços públicos, como a Saúde, não contem como fatores negativos.
Este "mix de politicas", que deve atender a cada uma das especificidades territoriais, precisa de um posicionamento de elevada pró-atividade do poder local e regional. O discurso de que tudo cabe ao Estado Central e de que não existe capacidade local para promover estes processos não é verdadeiro, até porque existem evidentes exemplos de que não é assim.
O Alentejo tem um problema complexo associado à água, seja porque as alterações climáticas assim o têm vindo a agudizar, seja porque existem novos usos para este recurso escasso que têm trazido novos desafios à sua priorização em termos de consumo.
Sendo o Alentejo um território onde este recurso mais diferença pode fazer, então, o Alentejo tendo ensino superior, centros de investigação, empresas e entidades publicas que trabalham e vivem a água, tem a obrigação de todos juntar e construir o desígnio regional de se constituir como o território charneira na gestão da água.
Temos tudo o que é necessário para que o conhecimento e toda a industria associada à água (laboratórios, condutas, software, etc) tenha lugar na nossa região. Fazer isso é difícil. Sim é, isso eu já sei, mas temos que dar os passos para que o difícil possa constituir-se como uma realidade e não continue como uma fatalidade.
O ultimo dos temas que queria abordar é talvez o mais difícil: a provisão de serviços públicos em territórios descongestionados e como a inovação pode ser uma pedra de toque para novas soluções.
Nesta área o Alentejo é um laboratório territorial para análise de todos os problemas associados a territórios onde sempre viveram poucas pessoas. Tivemos, é certo, aquele momento histórico das campanhas do trigo, mas, como todos sabem esse tempo foi um pequeno momento da história demográfica da nossa região.
O Alentejo tem áreas, descongestionadas, onde a população vive em "grandes" aglomerados (mais ao Centro e Norte) e tem outras áreas onde a população vive muito dispersa por vastas áreas territoriais (mais a Sul). Estas diferenças, associadas às baixas densidades demográficas, obrigam a que um posicionamento de gestão destes territórios sempre numa perspetiva de que serão sempre descongestionados e não densamente povoados. Gerir a realidade territorial e demográfica deve ser o foco e não a ideia romântica de que estes territórios voltarão a ser o que nunca foram.
Aqui, mais uma vez, importa reunir as instituições de ensino superior com aqueles que são responsáveis pela provisão de serviços públicos e construir, em conjunto, soluções inovadoras de acesso à saúde e à educação, mas também soluções inovadoras nos serviços de apoio à família como os cuidadores (crianças e idosos), nos transportes públicos partilhados e nos serviços administrativos de apoio às comunidades.
Este posicionamento dá trabalho, mas tem duas vantagens considerando que junta instituições e é um bom motivo para que mais pessoas se sintam, em liberdade, com vontade de optar por viver no Alentejo. Este grande território de "interior" que vai até ao mar…

Autor escreve com o
Novo Acordo Ortogrráfico



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